ANGÚSTIA - HUMILHAÇÃO
O problema da angústia humana está todo contido no problema da humilhação. Curar-se da angústia é livrar-se de toda possibilidade de humilhação. De onde vem essa humilhação? De me ver impotente? Não; isso não é suficiente. Ela deriva da minha vã tentativa de não perceber a minha impotência real. Não é a impotência em si que faz a humilhação, mas o impacto sofrido pela minha pretensão à onipotência quando ela entra em choque com a realidade das coisas. Eu não me sinto humilhado porque o mundo exterior me nega, mas pelo malogro do meu empenho em aniquilar essa negação. A verdadeira causa da minha angústia não está nunca no mundo exterior: ela está somente na reivindicação que lanço para fora e que se esfacela de encontro ao muro da realidade. Estou errado quando me queixo de que o muro se tenha desmoronado sobre mim e me tenha ferido; eu é que me feri esbarrando nele; foi o meu próprio movimento que provocou o meu sofrimento. Quando eu deixar de pretender, nunca mais nada me há de ferir.
Posso também dizer que minha angústia-humilhação expressa a lancinante dor de um conflito interior entre a minha tendência a me ver todo-poderoso e a minha tendência a reconhecer a realidade concreta na qual é negada a minha onipotência. Fico angustiado-humllhado quando me sinto dividido entre a minha pretensão subjetiva e a minha constatação objetiva, entre a minha mentira e a minha verdade, entre a minha representação parcial e a imparcial da minha situação no Universo. Só estarei a salvo da ameaça permanente da angústia quando a minha objetividade houver triunfado da minha subjetividade e; quando, em mim, a realidade houver triunfado do sonho.
Se eu me sinto humilhado é porque meus automatismos imaginativos conseguem neutralizar a visão da realidade e mantêm em xeque a evidência. Não tiro nenhum proveito do ensinamento salutar que me é constantemente proposto porque eu o recuso; eu recorro a todo o meu engenho para evitar a experiência da humilhação. Caso sobrevenha uma circunstância humilhante, propondo-me algum maravilhoso segredo iniciatico, imediatamente a minha imaginação se empenha em afastar aquilo que me parece um perigo; ela luta contra o ilusório deslocamento para "baixo"; ela faz tudo para me reinstalar naquele estado habitual de arrogância satisfeita no qual encontro um alívio transitório, mas também a certeza de novas angústias. Em suma: eu me mantenho numa constante defensiva contra aquilo que tem como objetivo me salvar; luto com unhas e dentes para defender a fonte mesma da minha infelicidade. Todos os meus trabalhos interiores tendem a impedir o satori porque visam lá "no alto" enquanto o satori está à minha espera "embaixo". De modo que tem razão o Zen quando diz que "o satori cai sobre nós de improviso, depois de termos esgotado todos os recursos do nosso ser".
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