CASULOS OU ARMÁRIOS?
I - Entre o ser, o parecer e o aparecer
"Sair do armário" é uma expressão bastante usada hoje em dia e significa, particularmente, a atitude de assumir e expor, aos olhos do mundo, uma opção de sexualidade tida como não convencional.
Isso dito assim, tão "literariamente", fica bem facinho,"né"? Facinho de escrever, facinho de ler... Claro e cristalino como a água - incolor, inodoro, insípido, moldável... Completamente indolor.
Quem sabe das dores são as criaturas que sentem esses armários como presenças reais - barreiras que, se por um ângulo sufocam e cerceiam, por outro protegem enquanto escondem.
Quem sabe das dores são os que sentem as hostilidades daqueles que pensam diferente - condenando e exigindo um passo atrás e, surpreendentemente, dos que estão no mesmo barco também - empunhando bandeiras e exigindo um passo à frente.
Permanecendo no armário ou saindo dele, sempre haverá custos - e benefícios.
E aqui começa, propriamente, o nosso assunto, pois essa questão não se refere apenas a opções sexuais, como podem supor alguns. De uma maneira ou de outra, todos nós usamos os nossos armários em determinados momentos ou situações da vida. Reconhecer e aceitar isso é o primeiro passo para podermos decidir se é menos doloroso sair ou ficar.
Trazemos dentro de nós aspirações, vontades, tendências, talentos - é a nossa alma a se expressar, é a expressão do nosso ser. Exercer essa nossa originalidade é o motivo de estarmos vivos, já que só alcançamos a verdadeira realização pessoal, chamada de felicidade, por esse caminho.
Mas, se acontece de recebermos respostas duras, hostis, justamente quando estamos expondo o que há de mais sensível em nosso íntimo - e isso freqüentemente acontece - dependendo do quanto estamos frágeis, recolhemos depressa toda a nossa espontaneidade, que para nós passou a significar rejeição, sofrimento, e tratamos de aprender rapido o comportamento padrão, segundo o modelo que nos pareça menos perigoso. Daí pra frente vamos calar a nossa voz interior a cada vez que ela quiser gritar. Vamos arranjar um jeito de anestesiar essa dor. Vamos aceitar situações que nos limitam, que não têm nada a ver conosco, de verdade. Vamos nos esmerar em "parecer". É o armário.
Refletindo sinceramente sobre a nossa vida, percebendo os nossos medos e o nosso descontentamento, poderemos avaliar melhor quais são os custos e quais são os benefícios de, finalmente, nos decidirmos a "aparecer" para o mundo tal como somos - nada mais e nada menos.
II - E os casulos?
Chega uma hora em que a lagarta sente a necessidade da transformação, e então o isolamento começa, no trabalho natural da construção do próprio casulo que irá limitá-la temporariamente. Ela não está fugindo, ela está mudando. O casulo não esconde; nutre e possibilita a mudança, até que chegue o momento exato em que ele se tornará desnecessário e será abandonado.
Nós também temos nossos estágios em casulos. Ocasiões em que precisamos de um tempo mais nosso, para que possamos nutrir o nosso "eu" verdadeiro, tornando-o forte e invulnerável o bastante pra que não seja, mais uma vez, aterrorizado pelo mundo.
Fazemos isso muitas vezes, ao longo da nossa existência. É a nossa possibilidade de mudar, de transformar a nossa realidade, atendendo de um a um os anseios do nosso coração - a vida nos empurra nesse caminho e não há como ignorá-lo.
Veja!!! O casulo foi rompido! Você sabe, não existe mais a lagarta que há pouco rastejava, vagarosa. Ela se transformou numa borboleta graciosa e ágil, atenta aos predadores, mas ávida por liberdade - vôos, flores, luz, vida! E isso é muito bonito, muito significativo para que ela se depare, de repente, com os sombrios limites de um armário fechado...
Ana Maria Prandato
Recebido de Jorge Carlos Costa
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