Faz bem ter amigos
Os dois homens eram muito diferentes. Os olhos de Mike se encheram d´água quando ele falou do seu casamento, e ele sentiu muito prazer ao relembrar as férias em família. Já a conversa com John foi sofrivelmente antisséptica. John, aos 47 anos, parecia ter 60. Já havido passado por 3 casamentos e havia sido proibido de visitar os filhos das relações anteriores. Mike passou a vida trabalhando em órgãos sociais dedicados aos mais pobres e fazia trabalho voluntário. John era cirurgião, mas ganhava muito pouco. Fazia consultas médicas para o governo da Flórida, mas sua motivação era a estabilidade, não o serviço ao próximo. Mike tinha muitos amigos próximos. Quando perguntado sobre amizades, John respondeu: “Não tenho amigos no momento”.
Isso nunca havia sido diferente.
Qual o segredo da felicidade? Se houvesse uma receita para a alegria, de que ingrediente seria feita? Essa questão, que o ocupa filósofos há milênios, foi abordada num dos maiores estudos já realizados, o Grant Study, coordenado pela Universidade Havard, nos EUA.
As histórias de Mike e John aparecem nesse estudo. Iniciada em 1937, a pesquisa acompanhou a vida de 268 homens em todos seus percalços: casamento, paternidade, carreira, envelhecimento. Durante os últimos 72 anos, os pesquisados foram submetidos a exames médicos, testes psicológicos e responderam a entrevistas. Alguns fizeram história: um se tornou editor do Whashington Post, Bnm Bradlle, e outro chegou a Presidência dos EUA – Era John Kennedy. Um terço deles sofreu com problemas psiquiátricos e muitos viraram alcoólatras.
Os arquivos resultantes do trabalho são fichas grossas como dicionários que só começaram a ser abertas recentemente, quando os homens pesquisados caminham para a morte. E o resultado é surpreendente. As relações que os analisados cultivavam aos 47 anos permitiam prever com precisão se eles se sentiriam felizes na idade avançada. Por isso, depois de revisar o material nos últimos anos, George Vaillant, coordenador da pesquisa há 42 anos, disse: “A única coisa que realmente importa são suas relações com as outras pessoas”.
Faz bem ter amigos
Vários estudos têm se dedicado a pesquisar o poder da amizade sobre a longevidade e a qualidade de vida. Um deles acompanhou 2835 mulheres australianas durante 10 anos e concluiu que aquelas que eram socialmente isoladas, após receberem um diagnóstico de câncer de mama, tinham 66% mais risco de morrendo que as cercadas por amigos e parentes. Outro estudo, realizado na Suécia, mostrou que, ao lado do tabagismo, a falta de redes sociais ou seja, amizades – foi o principal fator de risco para desenvolvimento de doenças coronárias entre os homens.
Há até um cálculo para medir a influência das boas amizades: cada amigo feliz aumenta em 9% a nossa probabilidade de nos sentirmos felizes também. Tantos benefícios fazem sentido evolutivamente. Durante milênios, a vivência em grupos aumentou as chances de sobrevivência dos humanos. Quer dizer, era aprender a viver em sociedade ou morrer.
De certa forma, no mundo moderno, as amizades também são essenciais para quem as cultiva. Pesquisas mostram que os gestos de carinho produzem benefícios não só para quem os recebe mas também para quem os cede. Um exemplo disso é que as pessoas que dizem a um amigo como ele é importante para elas tem 48% mais chance de estar extremamente satisfeitas com suas amizades. Ou seja, ter amigos é quase um ato interesseiro. “Ao fazer amizades, o ser humano age em seu próprio interesse, mas não o faz conscientemente. A motivação para essas alianças não é meramente calculista. Psicologicamente, precisamos desses laços afetivos“, diz o biólogo Eduardo Ottoni, pesquisador de psicologia evolucionista na USP.
Mas, para desfrutar desses benefícios, é preciso ter a habilidade de fazer amizades. Uma característica que, você já deve ter percebido, não é igualmente distribuída por aí. Por que algumas pessoas parecem ímãs de amigos e outras têm tanta dificuldade em manter relações? “as amizades requerem trabalho para cultivá-las. A gente não tem amigos, a gente faz amigos. E quem os tem em maior número são geralmente aqueles com capacidade de gerenciar esses relacionamentos e não negligenciá-los”. Diz Rebecca Adams, socióloga da Universidade North Carolina.
Tanto esforço é recompensado principalmente na idade avançada. É na velhice que se torna essencial se manter ativo e com novos projetos – algo que as amizades propiciam. No fim da vida, sentir-se útil traz mais benefícios para nós mesmos do que para os demais. E é isso que o estudo concluiu. “Desde que nascemos, somos neurologicamente preparados para valorizar o afeto sobre todas as coisas. Fama, sexo e grandes banquetes passam: no fim das contas, ninguém consegue abraçar dinheiro. Exercícios, peso saudável e educação cuidam da saúde. Mas são os laços de afeto e a amizade que asseguram a alegria”, diz Vaillant, o mentor do Grant Study. Os dois participantes do estudo do começo da reportagem comprovam a tese: Mike, cheio de amigos, viveu uma vida feliz até os 70 anos. John, solitário, se matou aos 53.
George Vaillant, Havard University, Press 1998
Fonte: Revista Superinteressante Out/2009
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