O Desafio
Um publicitário morreu e, como era da área de atendimento e mau para o pessoal da criação, foi para o inferno. O Diabo, que todos os dias recebe um print-out com nome e profissão de todos os admitidos na data anterior, mandou que o publicitário fosse tirado da grelha e levado ao seu escritório. Queria fazer-lhe uma proposta. Se ele aceitasse sua carga de castigos diminuiria e ele teria regalias. Ar-condicionado, etc.
- Qual é a proposta?
- Temos que melhorar a imagem do inferno - disse o Diabo. - Falam as piores coisas do inferno. Queremos mudar isso.
- Mas o que é que se pode dizer de bom disto aqui? Nada.
- Por isso é que precisamos de publicidade.
O publicitário topou. Era um desafio. E as regalias eram atraentes. Quis saber algumas coisas que diziam do Inferno e que mais irritavam o Diabo.
- Bem. Dizem que aqui todos os cozinheiros são ingleses, todos os garçons são italianos, todos os motoristas de táxi são franceses e todos os humoristas alemães.
- E é verdade?
- É.
- Hmmm - disse o publicitário. - Uma das técnicas que podemos usar é transformar desvantagem em vantagem. Pegar a coisa pelo outro lado.
Sua cabeça já estava funcionando. Continuou:
- Os cozinheiros ingleses, por exemplo. Podemos dizer que a comida é tão ruim que é o local ideal para emagrecer. Além de tudo, já é uma sauna.
- Bom, bom.
- Garçons italianos. Servem a mesa pessimamente. Mas cantam, conversam, brigam. Isto é, ajudam a distrair a atenção da comida inglesa.
- Ótimo
- Motoristas franceses. São mal-humorados e grosseiros. Isso desestimula o uso do táxi e promove as caminhadas. É econômico e saudável. Também provoca a indignação generalizada, une a população e combate a apatia.
- Muito bom!
- Uma situação que não seria amenizada pelos humoristas. Os humoristas, como se sabe, não têm qualquer função social. Eles só servem para desmobilizar as pessoas, criar um clima de lassidão e deboche, quando não de perigosa alienação. Isto não acontece com os humoristas alemães, cuja falta de graça só aumenta a revolta geral, mantendo a população ativa e séria. O alívio é dado pelos garçons italianos.
- Perfeito! - exclamou o Diabo. - Já vi que acertei. Quando podemos começar a campanha?
- Espere um pouquinho - disse o publicitário. - Temos que combinar algumas coisas, antes. Por exemplo: a verba.
- Isto já não é comigo - disse o Diabo. - É com o pessoal da área econômica. Você pode tratar com eles. E aproveitar para acertar também o seu contrato.
Com isto o Diabo apertou um botão intercomunicador vermelho que havia sobre a sua mesa e disse:
- Dona Henriqueta, diga para o Silva vir até a minha sala.
- Silva? - estranhou o publicitário.
- Nosso gerente financeiro. Toda a nossa economia é dirigida por brasileiros.
Aí o publicitário suspirou, levantou e disse:
- Me devolva pra grelha...
"Mãe de Freud", coleção L&PM Pocket, Editora L&PM - Porto Alegre, 1997, pág. 83
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