O FAZEDOR DE HOMENS
Todo homem é uma ilha...
É bom ser uma ilha distante
tanto quanto é bom ser um homem.
Todo homem possui uma ponte
pois é preciso sair da ilha, seguro.
A ponte de um homem é um braço estendido.
Todo homem é um mundo.
O mundo roda no sistema egocêntrico
de suas realidades,
pequenos alumbramentos,
medos e coragens.
E quando o homem encara o mundo e se depara
- homem-mundo,
mundo-homem,
volta à ilha:
Todo homem ama sua ilha.
II
O homem faz o homem.
E porque fez o homem, sem nem o homem querer
aufere direitos do homem.
Diz a ele: Cresça!
E ele fica mais alto.
Diz ao homem: Trabalhe!
E ele usa o corpo.
Diz ao homem: Viva!
E ele respira e existe.
Diz ao homem: Ame!
E ele não sabe como.
Mas diz ao homem: Procrie!
E ele faz homens.
Um dia ele morre.
Se a vida foi longa para viver
- é curta para morrer
- porque o homem não fez,
não escolheu,
não pensou nada.
III
O que faz um homem diferente de outro homem
é o que ele pensa.
O que o transforma, também,
de um simples fazedor de homens,
num criador de homens.
Todo homem é uma vontade.
E se deixa de ser vontade
teme a perda de sua posse.
Todo homem é uma consciência.
Nela inclui o seu saber
e a parte maior do não saber,
e se aceita o fato, é com ela que ele se entende.
Todo homem é seu corpo.
E sabe dele em contraste com outro corpo,
tal é a sua medida.
Como também, a medida de um homem é a sua carência:
porque é assim que ele se assume,
porque é assim que ele se liberta.
Quanto mais ele precisa
mais ele é maior. E dá.
Pede. Reivindica. Exige, quanto pode.
Luta e sofre.
Todo homem quer deixar sua ilha.
Temeroso de ter que voltar um dia, entretanto,
não destrói as pontes.
Enquanto isso, a ilha fica ali, só ilha.
A ponte fica ali, só ponte.
E o homem fica ali, só homem.
Carlos Drumond de Andrade
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