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O show de horrores dos colégios de elite - Marcelo Coelho

O show de horrores dos colégios de elite - Marcelo Coelho
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Felizmente não tenho filhos em idade de prestar vestibular. Se tivesse, ficaria alarmado com o que li no caderno especial que a Folha publicou na sexta-feira passada, sobre os 16 "melhores" colégios de São Paulo.

Ponho aspas em "melhores", mas não é que os considere necessariamente ruins; é provável que sejam "bons" colégios em muitos aspectos. O problema está no critério de avaliação.
O caderno destacava os "campeões de vestibular". Ou seja, os colégios que contam com maior número de alunos aprovados nos cursos mais difíceis da USP. Escusado dizer que, dos 16 colégios, só três eram públicos e gratuitos. Esse assunto eu deixo para o final do artigo.

O fato é que, a cada página que eu ia lendo, crescia a minha impressão de estar diante de um verdadeiro pesadelo educacional. Dou alguns exemplos.
Um dos colégios recordistas em aprovação na USP tem como característica "estimular a hiperconcorrência" entre os alunos. As classes são divididas segundo o desempenho dos estudantes. Um deles, vitorioso "treineiro" em vestibulares, diz: "Se eu caio um décimo de ponto, já me olham esquisito".

Em outro colégio, os alunos fazem prova quatro vezes por semana. Seu diretor explica o método com meridiana clareza: "Todo mundo diz que só estuda em véspera de prova; pois aqui tem de estudar todo dia". Arrisco-me a perguntar se, com tantas provas, o horário dedicado às aulas não diminui...
A observação tem certo espírito sofístico, mas em todo caso me parece verdade que, num ensino tão preocupado com o desempenho em provas objetivas, é natural que vá desaparecendo o espaço dedicado à discussão, ao pensamento independente. E cresce para os alunos a obrigação de regurgitar no papel o que lhes foi enfiado pelos ouvidos na véspera.

A monstruosidade do sistema se revela a cada reportagem do caderno. Determinado estabelecimento de ensino tem salas com capacidade para até 600 alunos, com baias individuais, disponíveis até as 22h, para que os alunos se exercitem. Qualquer semelhança com a criação de gado confinado fica por conta da imaginação deste articulista.
Mas até que esse colégio tem um mérito; não desliga o aluno que repetiu de ano. Outras instituições de ensino "top" adotam essa política. Imagino que considerem mais importante manter os altos escores de sucesso do colégio do que dedicar atenção individual ao aluno que não se adapta à linha de montagem.
Sim, porque os próprios colégios estão entregues a um mecanismo concorrencial destrutivo e perverso. Basta ver seus gastos em publicidade, mostrando quantos jovens prodígios "emplacaram" na Politécnica ou na Medicina.
Uma escola, aliás, dá prêmio em dinheiro aos alunos que entrarem no ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica). A seguir essa tendência, logo alguém vai ter a idéia de contratar vestibulandos profissionais, que melhorem as estatísticas de aprovação do colégio X ou Y.

Nunca fui bom em matemática, mas é óbvio que, se 10% dos aprovados numa faculdade estudaram no colégio Fulano de Tal, isso não depende apenas da qualidade desse colégio, mas do seu tamanho, do número de alunos que lá estudaram. Um contra-exemplo: o "melhor" colégio do país poderia ter apenas 40 alunos e, mesmo que todos esses alunos entrassem nos primeiros lugares das faculdades mais disputadas, a estatística diria que só 0,001% dos aprovados no vestibular vieram desse colégio.

Mas não importa. Com essa rotina de estresse, de massificação, de treinamento frenético, de atenção opressiva a "resultados" no vestibular, logo haverá outras estatísticas a fazer. Se olharmos para a outra ponta do processo - não a dos "bem-sucedidos", mas a dos triturados pelo sistema -, chegará o dia em que teremos de levantar qual o colégio com menor taxa de suicídios. Ou com menor número de casos de depressão. Ou de alcoolismo. Ou - nem preciso dizer - de consumo de drogas.
E como podemos estranhar que alguém se sinta inclinado a fumar maconha ou a beber, quando passa a maior parte do tempo sob a pressão absurda de resolver problemas de trigonometria e de física que não fazem sentido nem para os próprios professores?
Claro que o vestibular não é o único fator responsável por essa situação. E não são apenas as distorções geradas por esse sistema o que mais me choca no caderno sobre os colégios de elite. Se a questão fosse apenas o vestibular, ainda vai.

Espantou-me que outro colégio pretende abrir uma nova unidade, não sei em que região arborizada de São Paulo, com ensino bilíngue. Aqui chegamos à radicalização de todo o processo. Pois entrar na USP começa a ser pouco para as nossas superelites. Interessa que nossos jovens talentos se dirijam, o mais cedo possível, a Harvard ou Chicago, de onde voltarão com planos e planilhas para solucionar os problemas do Brasil.
Acho que todo país civilizado tem uma coisa chamada sistema público de ensino. E isso representa mais do que garantir minimamente a igualdade de oportunidades que está em falta no nosso país. A existência de escolas particulares, embora justificável, já é quase uma distorção em si mesma.

Quando um aluno rico está na mesma classe de um aluno remediado ou pobre, como acontece num país como a França ou na Itália, é um senso de cidadania que se estabelece. Não falo nem sequer de igualdade, mas de republicanismo. Sem contato com as instituições públicas, as classes médias e altas vivem, desde o início da vida escolar, uma realidade de apartheid. Um dia, o jovem acaba ouvindo falar de cidadania, república, direitos etc.: mas esses conceitos são apenas belas palavras, desvinculadas de sua prática de vida. Daí para Chicago - ou será Bombaim? - é só um pulinho.


Por MARCELO COELHO
Folha de São Paulo


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