Perspectiva
Há uns anos atrás, eu costumava ficar intrigado com os trilhos das estradas de ferro. Punha-me de pé entre eles, via-os sair para o mundo e os dois trilhos estreitavam, depois se aproximavam, tocavam-se um ao outro a oito quilômetros para oeste, no horizonte. Locomotivas monstruosas passavam, trovejando, rumo ao oeste, através da cidade e, como as locomotivas são como gigantes que precisam que os seus trilhos sejam colocados assim, eu sabia que, para além do lugar onde os trilhos se encontravam, tinha de haver uma grande pilha de ferros retorcidos e em brasa.
Sabia que os maquinistas tinham de ser homens terrivelmente bravos, para passar pela Rua Principal com um sorriso e um aceno, quando a morte certa os aguardava no horizonte. Eventualmente, descobri que os trilhos não se encontravam além da nossa cidade, mas não perdi a admiração pelos maquinistas até o dia em que pela primeira vez andei de avião. Desde então, percorri, do céu, as estradas de ferro de todo o país e ainda não vi trilhos se encontrarem. Jamais.
Há alguns anos atrás, eu ficava intrigado com a chuva e a neblina: por que razão, em certos dias, toda a Terra ficava cinzenta e úmida, o mundo inteiro um lugar triste para se viver? Não entendia por que, de repente, todo o planeta ficava escuro, como é que o sol, um dia antes tão brilhante, de repente virava cinzas.
Os livros procuravam explicar, mas foi só quando comecei a voar que descobri que as nuvens não cobrem o mundo inteiro _ que mesmo no lugar onde eu estava, debaixo da chuva, encharcado na pista, tudo que eu precisava fazer para encontrar de novo o sol era voar por cima das nuvens.
Não era fácil fazer isso. Havia regras certas a seguir, se eu quisesse mesmo conquistar a liberdade do ar diáfano. Porque, se eu preferisse ignorar essas regras, se insistisse em andar de um lado para o outro como um louco, se achasse que era capaz de me orientar sozinho, seguindo o impulso do corpo, em vez da lógica, acabaria invariavelmente caindo. A fim de encontrar o sol, ainda hoje tenho de esquecer o que aos meus olhos e às minhas mãos parece direito, e confiar totalmente nos instrumentos que me são dados, por mais estranhamente que eles pareçam falar, por mais insensatos que pareçam ser.
A única maneira de alguém poder romper a barreira da chuva e da neblina e reencontrar o sol é confiando nesses instrumentos. Quanto mais escura e espessa a nuvem, descobri, mais cuidadosamente eu tinha de me guiar pelos instrumentos e entender o que eles queriam dizer. Provei-o vezes sem conta: era só continuar a subir, que chegava ao cume de qualquer tempestade e acabava saindo para o sol.
Quando comecei a voar, aprendi que as fronteiras entre os países, com todas as suas estradas e portões e alfândegas e cartazes de Proibido são muito difíceis de ver do ar. Do alto, eu nem sabia se tinha cruzado a fronteira entre dois países, ou que língua se falava lá embaixo.
Descobri que um avião sempre se inclina para a direita, com o aileron direito, seja ele americano ou soviético, britânico ou chinês, francês, tcheco ou alemão, seja quem, for que o estiver pilotando, sejam quais forem as insígnias pintadas em suas asas. Constatei isto e muito mais, voando, e a tudo se pode aplicar uma palavra: perspectiva. É a perspectiva, é subir acima dos trilhos de uma estrada de ferro, que mostra que não precisamos temer pela segurança das locomotivas. É a perspectiva que nos transporta além da ilusão de um sol que morre, que sugere que, se nos elevarmos o suficiente, veremos que o sol absolutamente não morreu.
É a perspectiva que mostra que as barreiras entre os homens são coisas imaginárias, tornadas reais apenas pela nossa própria crença nessas barreiras, pelo nosso medo do seu poder de limitação. É a perspectiva que toma conta de todas as pessoas, quando voam pela primeira vez:
- Ei, olha lá para baixo... os carros parecem de brinquedo!
Quando aprende a voar, o piloto descobre que os carros lá embaixo são, realmente, brinquedos. Que, quanto mais alto se sobe, mais longe se vê, menos importantes são os interesses e os problemas daqueles que ficam agarrados ao chão. De vez em quando, pois, é bom saber que boa parte do nosso caminho sobre a Terra pode ser feito voando. Podemos até descobrir, no final da jornada, que a perspectiva que adquirimos voando significa mais para nós do que todos os quilômetros e quilômetros de poeira que já percorremos.
Richard Bach
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