QUANDO SER BOM É RUIM
Ser bom é desejo ou pretensão de cada um de nós. Entretanto, a linha demarcatória do conceito de bom é tênue e variável no espaço. Por outro lado, só se pode dar o que se tem dentro de si mesmo.
Assim, ser bom exige, antes de mais nada, que se seja bom para si mesmo. Quando se tem bondade suficiente para si, ela começa a fluir de maneira natural e espontânea para fora. Infelizmente, são poucas as pessoas que atingem esse estágio de evolução.
Ser bom - como uma atitude consciente, procurada e movida pelo desejo de mostrar-se bom - tem outras conotações, exceto a de uma bondade real. Muitos dedicam toda a sua vida a representar o papel de bons, não por hipocrisia ou com o propósito de falsidade, mas atendendo a necessidades interiores de compensação. São os bonzinhos, os santos, as "Amélias". Embora sejam úteis e por isso mesmo aplaudidos, as suas motivações não têm a nobreza da verdadeira bondade. Na verdade, por trás de seu comportamento dócil e louvável, esconde-se uma pessoa profundamente infeliz, cheia de mágoas e raiva ocultas.
A trajetória do bonzinho teve início na infância, quando as suas experiências vividas e sofridas determinaram o desenvolvimento de conceitos negativos sobre si mesmo. Inconscientemente acredita que é inferior aos outros, que não merece, que não tem direitos e não é amado. Cresce com baixa auto-estima e com uma auto-imagem de inferioridade.
Quando adulto, busca desesperadamente uma forma de ser aceito e amado. É aquele que está sempre pronto e, mais do que isso, procura de maneira compulsiva por pessoas e situações para que possa ser útil e servir, geralmente em detrimento de si mesmo. É aquele que todos usam, de quem tiram proveito e abusam. É aquele que nunca reclama e tudo faz. Dentro de um relacionamento acredita que seja responsável pelo outro.
Não vive a sua própria vida, mas a do outro. Se este está alegre ele também estará. Se ele ou ela está de mau humor, sente-se para baixo, deprimido e culpado. Sofre de ansiedade permanente por querer antecipar os desejos do outro. Jamais fala o que pensa ou sente por medo de desagradar. Quase nunca diz "não", pelo contrário, sempre diz "sim" quando desejaria dizer "não". Com isso, se assoberba de obrigações, trabalhos e compromissos muito acima de sua capacidade.
Termina sempre se odiando por isso, sentindo raiva de quem o explora, mas mantém um sorriso permanente nos lábios e continua gentil. Ele sempre ignora as suas próprias necessidades e nas poucas vezes que as reconhece convence-se de que elas não são importantes e nem prioritárias.
Se você se viu em algumas dessas características, é tempo de reavaliar a sua vida, os conceitos sobre si mesmo e os outros e começar um trabalho interior que o levará à recuperação da sua auto-estima e valorização. Assim descobrirá que sacrificar a sua vida não é nenhuma virtude - ao contrário do que possam ter lhe ensinado - e, também, que ser bom não é ser bobo. Perceberá ainda que ser útil não é ser amado, porque as pessoas que se utilizam de seus favores não lhe dão o que mais deseja - que é o amor, porque ninguém ama aquele que não se ama ou não se respeita!
Willian Resende de Araújo, Médico neurologista
Fonte: Jornal de Casa - 25 a 31/5/97, coluna "Ponto de encontro"
https://www.astv.hpg.ig.com.br/art.html
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