Um violonista no telhado
Às vezes, não perguntar é curar. Quando a mulher que ama, chega em casa abalada e desconsolada, a primeira reação é questionar: ¿o que aconteceu?¿ Mas não aconteceu nada que possa ser resumido, explicado, esclarecido. Não ocorreu um acidente, um terremoto, uma notícia, as vítimas são apenas sentimentos desarrumados e confusos. E diante da falta de resposta já se pressupõe uma traição, uma ofensa, e até mesmo, a quebra de confiança. Ao invés de ajudar, ele passa a cobrar a ausência de resposta. Piora a situação. Puxa uma briga em plena vulnerabilidade dela. Ataca um corpo ferido. Agrava o mal-estar com a tendência de se colocar sempre no centro do mundo, não admitindo que alguém possa se encontrar pior do que ele. Com a mania de adaptar a realidade para suas necessidades, é cego para outros desejos. Não percebe que ela está precisando somente de seu silêncio. É tão difícil doar silêncio, mais fácil doar roupas, doar alimentos não-perecíveis, doar sangue, doar vírus, doar esperma, doar dinheiro. Doar silêncio é quase um crime inafiançável. É isso que ela pede, algo mínimo, algo discreto, algo despretensioso: o silêncio da lealdade. A fé. A quietude da segurança. Que não fale nada, que não julgue, que não duvide, pois ela está cansada de ser abreviada, atalhada, sentenciada, concluída. Está farta de que falem por ela. Está farta de lutar para se defender, para ser compreendida, de começar de novo, quem não fica? Que a receba em seu colo e dedique horas a fio beijando os olhos, dando voltas nas quadras dos cabelos, consolando a pele. Que a sua curiosidade não estrague a comoção.
Faça que ela durma assim, como uma criança, com a tevê acesa, no sofá, e arrume uma coberta para que não passe frio. Seja um pouco mãe, um pouco pai, um pouco filho de sua mulher. Não dê ouvidos para a tristeza, dê ouvidos para os barulhos da casa. Os barulhos da casa cicatrizam qualquer ferida. Desaparecer, não chamar atenção para si é um modo de estar presente nessas horas. Ao se acordar, ela não perguntará nada. Devolverá a boca, agradecida. E o abraçará como se tivessem conversado toda a noite sobre os problemas. Na verdade, conversaram sem a arrogância das palavras.
Por: Fabrício Carpinejar
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