Violetas na Janela ou Um pedaço do mundo
Minha casa não é minha casa. Mas ela é tão minha... Não tenho dela nenhuma escritura, nenhum documento de posse, provisório ou definitivo. Mas ela é minha casa. O que tenho é apenas uma cópia do contrato de locação. Minha assinatura, do locador, das testemunhas e só. Um prazo estipulado, local, data, timbre, endereço, CGC, CPF, RG. Parágrafos, vírgulas, pontos e pronto. Eis o pedaço de papel que me autoriza a viver nesta casa. Na minha casa. Porque ela é muito minha. Por quanto tempo... Não sei. Não importa. Da porta para dentro o tempo não conta. E eu amo estar aqui e agora. O que vai lá fora ficou tão distante... Bati em retirada. Piquei mula. Estou de recesso, de retiro, quarentena. Por favor, me deixem só.
Eu preciso estar só. Como as pedras do meu jardim. Que como eu, deixaram as terras onde nasceram. Onde viveram silentes por tantos anos. Entre árvores e borboletas. Insetos e vermes. E um fio cristalino de água que cortava a montanha. Que formava um lago de águas mansas. Que o boi bebia e os meninos nadavam. Onde eu, menina medrosa, nunca mergulhei. As pedras do meu jardim nunca mais verão as montanhas. As águas da nascente são sempre novas. Os meninos que nadavam cresceram. O boi morreu. E a menina medrosa, para não morrer de medo, matou o medo...
Mas meu jardim não é só feito de pedras. Elas formam apenas imensa trilha por entre a grama verde. Tem uma azaléia onde mora um bem-te-vi. Tem um pinheiro imenso de duas pontas. Tem sete léguas, hibiscos, palmeias. Tem samambaias, orquídeas e gerânios. É tanto verde... Alguns nem sei o nome. Tem uma jardineira com flores amarelas e flores de maio de todas as cores. Um ano para florescer. Um dia para viver... Tem uma roseira que nunca deu rosas. Um vaso imenso de manjericão e um pé de boldo, frágil e amargo. Uma flor exótica de cores fortes e um vaso cheio de dinheiro em penca. Uma espécie de cacto, que surgiu do nada. Antúrios, e uma árvores estranha, meio seca, com espinhos imensos e bolinhas vermelhas, que não verdeja nunca...
As prediletas, no entanto, são as violetas. Que não suportam viver no jardim. Como eu, vivem nas janelas. Se não estou no jardim, estou nas janelas. Sou fascinada pelas cores das violetas. Tantos tons e matizes, tantos detalhes. São tantas cores. São brancas, são rosas, são lilases e algumas, dizem, são azuis... São singelas, caladas, frágeis... São puras e belas. São flores...
Que belo e vasto o universo das plantas. Que misterioso espírito as anima. Talvez o mesmo espírito das pedras. Das águas, dos bichos e dos homens. Talvez... Quem sabe? Só sei que meu jardim é belo. E eu da minha rede na varanda, observo e sonho. Vejo um pedaço de céu, um pedaço de nuvem. Um pedaço de sol, um pedaço de lua e um pedaço de rua. Acho que um pedaço do mundo mora no meu jardim...
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