O dinheiro, ao mesmo tempo em que representa a possibilidade de vir a ter, marca a ausência do objeto que se deseja: o valor numérico que se possui equivale ao objeto que não se possui. Assim, o dinheiro denuncia aquilo que não possuímos ou o que não somos, expondo a incompletude humana. Somos sempre incompletos, ou seja, seres em que falta algo e, assim, o dinheiro torna-se o símbolo dessa falta. É importante notar que, independentemente da quantia em dinheiro, essa falta sempre existirá e, por isso, não há satisfação completa (o que é positivo: evita a estagnação!).
Num relacionamento afetivo, temos a ilusão temporária de encontrar no “outro” o que nos completará. Depositamos nosso afeto, esperança e nossos sonhos. Investimos atenção, carinho e tempo. Tal qual o investidor do mercado financeiro, nós desejamos garantias sobre o depósito – de preferência acrescido de lucros – e poder resgatá-lo a qualquer momento. Mas nem sempre isso é possível: muitas vezes os riscos são altos. Dificuldades maiores ocorrem quando há incompatibilidade de moeda: dinheiro x amor. Um dos parceiros investe mais emocionalmente na relação, enquanto que o outro investe mais financeiramente. Muitas vezes, para o homem, pagar contas é sinal de amor – sinal este que passa despercebido para a mulher cujo investimento foi feito na moeda do afeto. Como boa parte dos homens ainda tem dificuldades em expressar seus sentimentos, pagar pode ser uma forma de demonstrar esse amor. Por sua vez, a mulher oscila entre as posições de “independente” e “dependente” financeiramente. Mesmo entre as bem sucedidas profissionalmente, poucas são as mulheres que aceitam um parceiro em condições financeiras abaixo da própria, o que demonstra o quanto ainda estão presas às tradições do “macho provedor”.
Quem está na posição de ser sustentado ou simplesmente, o que ganha menos, pode sentir-se inferiorizado e até mesmo “em dívida” para com o parceiro. A dependência pode levar a sentimentos de ódio inconsciente, pois tudo o que nos prende, mesmo que com amor, tolhe a liberdade e passa a representar o que cerceia, o que impede. Esse tipo de sentimento é muito comum também entre adolescentes, que se sentem presos e controlados pelos pais, por não terem meios próprios para seu sustento. Essas relações de amor/ódio podem levar ao sofrimento e intensos sentimentos de culpa, se não forem elaboradas adequadamente. Ser sustentado pode significar estar subjugado ao outro, ainda que, muitas vezes, quem paga não perceba isto. Outras vezes há um abuso do poder por parte do pagador, que se sente no direito de cobrar, exige obediência e pode tornar-se um verdadeiro tirano na família. São clássicas as falas: “Se você não paga, então não tem direito de reclamar” e “Quem manda aqui sou eu, porque eu é que ponho dinheiro nesta casa”.
Diante do que foi exposto, somos levados a pensar que a opressão das mulheres e a concentração do poder monetário entre os homens faziam parte de um modelo mais estável. Com papéis bem definidos, não havia espaço para tantos conflitos. Porém, a transformação social, irreversível, trouxe ganhos imensos para homens e mulheres: poder compartilhar sonhos e desejos; crescer juntos, criar um sistema de valores próprios a partir da fusão do que se traz da família de origem. Dividir o poder não é tarefa fácil, mas relações onde ambos estão engajados na manutenção do matrimônio e em que ambos são responsáveis pelo patrimônio, tendem a ser mais equilibradas e a sofrer menos com os reveses da vida. No momento atual, o que os casais podem fazer com relação ao dinheiro é exatamente o mesmo que se prega com relação ao sexo: conversar abertamente, sem tabus, respeitando a individualidade do outro.
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Priscila Gaspar é Psicanalista, Terapeuta de Regressão e Terapeuta de Casais, com especialização em Sexualidade Humana. Atende em psicoterapia individual e de casal.Contato: [email protected] E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |