Tenho assistido a vários filmes ultimamente que têm me deixado muito incomodada. Visceralmente incomodada. Venho pegando na vídeo-locadora vários filmes, fazendo escolhas temáticas: primeiro biografias, depois filmes relacionados a lugares e momentos históricos. Ou seja, são filmes baseados em fatos e, em todos eles, a história se repete: dominação, abuso, opressão, exploração, discriminação, crueldade, estigmatização, preconceito. Todos com uma diversidade realmente criativa de maldades, mas tendo no fundo uma raiz: a não aceitação do diferente e a necessidade de se impor sobre o outro.
Não gosto do alarmismo. Vejo com felicidade que em muitas coisas o mundo está bem, mas bem melhor mesmo do que jamais foi. Mas ainda convivemos com sofrimentos impensáveis no nosso planeta e me surpreende (e digo por mim mesma) a capacidade que temos de nos alienar.
Hoje, com a mídia, teoricamente ficaria mais difícil fugirmos, mas estamos ficando habituados e amortecidos em relação ao nível desumano e cruel de violência com que convivemos. E, além disso, ainda convivemos com a violência como entretenimento, como forma de lazer; senão vejamos: qual a diferença entre o pão e circo dos romanos e a UFC que pinga sangue e é transmitida para 36 países? Bem, ainda não morreu nenhum lutador. Essa é a diferença, mas considerados os anos que nos separam é uma mudança mínima. A violência é vivida como entretenimento, como fonte de prazer e alienação...
É um grande desafio e ao mesmo tempo uma oportunidade rara o fato de estarmos encarnados neste momento do planeta. Tudo que vemos, em todos os sentidos, é de uma amplitude inimaginável, até então, mostrando as infinitas possibilidades de que dispomos para agir, a cada momento, ainda que não nos demos conta disso. Mas estamos ainda acostumados a viver só pensando em nós e por isso acostumados a nos queixar pelas nossas dificuldades. Quando vejo os mestres - pouco importa de qual crença sejam -, vejo-os trabalhando incansavelmente interna ou externamente pelos outros seres (meditando, rezando ou agindo) – e incumbindo seus seguidores de acompanhá-los - noite e dia sem parar, noite e dia sem parar.
Temos aqui no planeta mundos dentro de mundos, dentro de mundos, dentro de mundos. As redes sociais são um bom exemplo disso. Ao mesmo tempo em que tem gente desfilando seus egos, corpos e o maravilhamento por ser quem são (numa viagem que faz até Narciso se sentir modesto), tem gente remando por uma causa (ou várias), tem gente falando bobagem, tem gente compartilhando belezas, informações e tem gente propagando consciência. Enfim, tem de tudo. Não estou condenando. Só constato a diversidade. São mundos dentro de mundos, dentro de mundos. Vários níveis de consciência coexistindo, do sublime ao cruel, do inefável ao brutal.
O Budismo faz referência a essa diversidade nos ensinamentos da roda da vida. Esses ensinamentos nos mostram que existem reinos diferentes regidos por tonalidades emocionais distintas (e não cabe discutir se esses reinos existem fisicamente de fato ou não). Assim, há o reino onde impera a raiva, há o reino onde impera o medo, há o reino onde impera o orgulho, o poder, a competição, a inveja, e assim por diante. E nós passamos por todos esses estados emocionais num só dia - e várias vezes até, num mesmo dia.
Há ainda o reino dos deuses, onde impera o conforto e é possível se desfrutar de uma vida ótima (sem contato com o sofrimento alheio). Nada contra viver bem, desde que consigamos nos manter sensíveis e abertos ao que nos acontece ao redor (mas sabemos também que, quanto melhor está a nossa vida, menos empatia temos com o sofrimento alheio - e por isso mesmo é que se diz “o sofrimento nos faz mais humanos”). E, bem, há os que conhecem o amor e a sua força e se empenham para ali permanecerem a despeito do que possa acontecer; permanecer nesse estado de amorosidade e abertura, mesmo que se escorregue e se perca o passo e seja preciso retomar, como numa dança. Em uma atitude delicada e que não é grandiosa ou heroica.
Há os que são heroicos e revolucionários também dizendo “ama ao próximo como a ti mesmo”. Há os que dizem, berram ou escrevem de todas as maneiras possíveis: “acordem, estamos morrendo em guerras, morrendo de fome, nos matando e matando os animais e o planeta inteiro, contaminando a terra, os alimentos, as águas e o ar”. Faz 2.500 anos que ouvimos a mensagem (de todas as formas possíveis). E quem quer que diga o que está vendo é preso, crucificado, morto, queimado, ou é excluído e neutralizado como “lunático”. Sejamos razoáveis... Quem é o louco mesmo?
Por isso, não importa mesmo mais qual é sua crença, contanto que ela faça de você uma pessoa melhor, contanto que ela o sustente e o nutra internamente conseguindo extrair o seu melhor, de momento a momento, com empatia para o sofrimento de quem está do seu lado, com disponibilidade de abertura e aceitação do diferente, e com uma possibilidade de alargar o seu universo, em todas as direções: mostrando-lhe o positivo para onde se dirigir e o negativo para reconhecer e desejar sair.
É cruel e absurdo o nível de sofrimento interno e externo que vivemos neste planeta. Físico, emocional, mental e espiritual, para os seres humanos, os animais, a natureza. Por isso, a prece torna-se um instrumento tão necessário e a consciência a única saída:
“Que a paz possa prevalecer no planeta Terra”.
Como uma vontade que transforme a sua maneira de olhar, de falar, de sentir e de escutar tudo que está acontecendo dentro de você, e ao seu redor. “Paz ao olhar (para dentro e para fora), paz ao falar (palavras internas e externas), paz ao tocar, paz ao ouvir (interna e externamente), paz ao sentir. Sentidos com paz. Paz com tudo, tudo com paz”. E se essas palavras são de Lama Gangchen Rinpoche, elas são sem um credo específico e sem direitos autorais. Você pode fazer isso. E se você não é dos engajados, eu digo que o palco onde essa ação se desenrola, antes que fora, é dentro. É possível assim e, enquanto não fizermos isso individualmente, nada acontecerá e o planeta não evoluirá. Desculpem-me o desabafo e o tom inconformado, mas é cansaço mesmo. Por favor, quanto tempo ainda teremos que ouvir a mesma história, até que despertemos para fazer algo?
10/07/2012
Texto revisado
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Isabela Bisconcini é Psicóloga Clínica e Consteladora Sistêmica. Terapeuta EMDR. Terapeuta Floral, Reiki II, NgalSo Chagwang Reiki, AURA-SOMA. Deeksha Giver. Dedicou-se por 25 anos ao estudo da psicologia budista e prática do Budismo Tibetano. Participou do Centro de Dharma da Paz desde 1988, quando Lama Gangchen Rinpoche o fundou. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |