Falsificações
Atualizado dia 4/8/2016 9:41:02 AM em Almas Gêmeaspor Adriana Garibaldi
Às vezes existem condições emocionais que podem se transformar num tipo de vício, uma fuga da realidade, principalmente para aqueles que já tiveram experiências traumáticas em relacionamentos passados.
Você imagina que é mais fácil sentir-se no comando dentro de um amor inventado, a sofrer abrindo-se a um vínculo real que teme. Acredita erroneamente que desse modo tudo fica restrito ao terreno da mente com sua capacidade de criar histórias com final feliz, atuando dentro de um contexto que lhe parece seguro, enquanto exerce uma função de roteirista, diretor e ator de uma trama particular. Contudo, não é bem assim que funciona, porque a realidade indefectivelmente baterá à sua porta cedo ou tarde e sua carga de sofrimento chegara até você, sem pedir licença.
É hora de parar e olhar de frente para tudo aquilo que você inventou despido de todas as ilusões criadas além de outras tantas que, afinal, parecem ter vindo de fora, do acaso, do destino, como se tivesse sido pego numa armadilha.
Muitas vezes, embarcamos em sonhos que sabemos impossíveis, um mecanismo de defesa que erguemos contra a realidade que não gostamos ou nos amedronta.
Não sei se alguma vez aconteceu com você, mas eu já embarquei em muito amor platônico pela vida afora. Com quatorze anos me apaixonei loucamente por um cantor espanhol que fazia enorme sucesso na época, lembro que fez uma turnê na minha cidade e fui assisti-lo no teatro. Eu era daquele tipo de adolescentes que puxa os cabelos, chora e grita desvairadamente ante a presença de seu ídolo. São paixões loucas como essa que se alimentam da carência ou da impossibilidade de viver algo real e verdadeiro. É a mocinha apaixonada pelo professor de literatura do colégio ou pelo amigo gay que nunca terá olhos para ela a não ser na qualidade de amigo e confidente, ou a menina que coleciona fotos do ator preferido da novela das nove. Sem dúvida, a adolescência é um momento muito fecundo no terreno da afetividade inventada.
Às vezes nos perdemos em esperanças vazias que sabemos não pertencerem à realidade e isso pode acontecer em qualquer idade cronológica. Autocomplacência nos faz embarcar em situações não muito claras, principalmente no terreno sentimental, e não somos capazes de perceber em que momento isso aconteceu conosco e por que, ficamos numa encruzilhada, incapacitados de administrar com acerto algumas situações a que a vida nos submete ou a que nos mesmos fazemos questão de nos submeter por livre escolha.
Você precisa perceber as joias falsas que povoam os cofres dourados das suas ilusões, para ser capaz de reconhecer aquela pedra preciosa que ficou perdida em meio de uma montanha de quinquilharias sem valor, a joia rara que representa sua própria alma.
Não significa que algo seja real no mundo, porque afinal, todo é ilusório (maia) enquanto ainda não estamos despertos e atingirmos a condição de Budas.
Acredite, algumas ilusões podem ser administráveis, outras não, principalmente aquelas que nos fazem perder totalmente a noção da realidade, num emaranhado de sentimentos e emoções sem lógica que nos desestruturam pela veemência com que costumam se apresentar.
Você precisará acordar e notar as inúmeras falsificações que carrega sem se dar conta, adquirindo coragem para alterar alguns rumos que por acaso tenha empreendido por pura distração, ou por falta de foco, ou por imaginar que seu querer poderia ser suficiente para ter aquilo que parecia ser portador de felicidade. Nesse momento, será preciso se recolher e estabelecer um vínculo efetivo com a verdade.
Muitas vezes as ilusões nos levam para um terreno perigoso. Amores não correspondidos, paixões que nos fazem perder a razão e, nesse ponto, a situação fica ainda mais difícil, a dor muito mais sofrida.
Onde está a sua coragem? Onde está a sua fé? Onde está o amor para consigo mesmo?
Osho fala de tristeza, sem dúvida, uma condição que nos deixa tristes. Perdermos uma falsificação promove tristeza porque as ilusões muitas vezes são capazes de nos proporcionar picos enormes de energia, na qual ficamos visceralmente viciados. Uma exultação dos sentidos que sabemos de antemão ser totalmente irreal, quimera que nos lança, instantes depois, num abismo de aflição. Contudo, ficamos nos agarrando a ela, mesmo reconhecendo que toda ilusão acabara, mas ou menos dia, em desilusão.
Aprenda a ver a realidade conforme se apresenta, mesmo que para isso precise se desgarrar por dentro, porque somente assim estará em condições de se transformar, aceitando com resignação aquilo que não pode ser modificado. É necessário coragem para renunciar a situações ou relacionamentos que a vida nos nega para não acabar dando murros em ponta de faca, nos machucando e ferindo inutilmente.
Às vezes é necessário aprender a virar a página, virar o disco, virar-nos do avesso para dobrar a esquina e mudar o rumo da nossas vidas à procura da felicidade que esta aí adiante, alguns poucos metros à frente, numa rota chamada realidade.
Texto revisado
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