Quem sou? De onde vim? Para onde vou? (Parte IV)




Autor Ernesto Shima
Assunto Almas GêmeasAtualizado em 6/4/2012 2:00:45 AM
O meu pai tinha ido embora para Okinawa no meio do ano e ficamos um semestre inteiro juntos, envolvidos em discussões que sempre ocorreram entre nós por mais de 30 anos. Consegui evitar a vinda da ex-mulher para o Japão no início do ano, após uma série de chantagens emocionais por parte dela, contornei a pressão da família pela volta do meu pai, fui acusado de desviar um dinheiro de remessa para o Brasil, quando na verdade havia sido o gerente da empreiteira, num caso que durou um mês de confusão e acusação contra minha idoneidade moral e o meu caráter. Sem falar na perseguição em que fui vítima dentro da fábrica durante este tempo todo.
Enquanto pensava no ocorrido, ficava contemplando a parede do meu quarto onde estavam as fotografias dos meus quatro filhos. Neste período em que vivia no Japão, recebi tantas, que as fotos ocupavam a parede de cima abaixo, e de um lado a outro, junto com as cartinhas deles. A saudade era o meu maior drama no Japão. Quantas vezes, por vingança em não aceitar as imposições da mãe deles, eu ficava meses sem poder falar com meus filhos, sendo torturado dia e noite sem ter notícias. A solidão era massacrante. Sofria imensamente por causa disto.
Durante toda a noite e o dia seguinte não apareceu ninguém da empreiteira para dar uma posição sobre um novo emprego, e nenhum colega se aventurou a me visitar por temer uma demissão também. Estava isolado e largado no meu canto, perturbado por conflitos interiores intensos, angústias e medos. Meus pensamentos eram um monte de cartas embaralhadas, soltas e dispersas. Não conseguia racionar direito. Os acontecimentos de uma vida inteira vinham numa sucessão de flashes e insights desesperadores.
Os últimos doze anos no Brasil, ao lado dos meus filhos eram um peso insuportável naquele momento. A ausência deles dilacerava a minha alma. Sentia tanta falta deles, daqueles sorrisos maravilhosos, das alegrias que vivíamos juntos, das brincadeiras de crianças, da felicidade de estarmos sempre juntos, da companhia inseparável mesmo tendo que trabalhar nos finais de semana. Da inocência daquelas crianças, com seus olhinhos sempre atentos a tudo o que eu fazia.
Olhando para a parede, sentia o meu rosto molhado pela cachoeira de emoções que teimavam em queimar o meu peito. Mal conseguia respirar e me desabei num choro convulsivo. Quanto tempo se passou neste estado depressivo eu não me lembro. Sei apenas que fui até o armário da cozinha, peguei uma garrafa de 51 e voltei para o quarto onde comecei a beber em pequenos goles. Horas depois, abri a porta da varanda que ficava no 4º andar, fui até o fundo do quarto e disparei em direção ao vazio.
No meio do caminho senti o impacto. Tudo se apagou.
A manhã estava coberta pela neblina, quando fui despertado pelas gotas dáguas que entravam pela varanda aberta. Com o rosto molhado, abri os olhos sentindo o meu corpo tremendo de frio. Estava estatelado no tatame perto da porta da varanda. Levantei-me e permaneci sentado olhando para fora vendo os poucos raios de sol que teimavam em penetrar na grossa neblina. Pensativo, tentava entender o que tinha acontecido. Sabia que tentei me jogar daquele quarto andar, mas algo evitou esta tragédia. O que seria?! O meu rosto doía. Olhei para a porta e ela estava aberta. No que foi que bati?!
Enquanto buscava respostas olhei em volta, procurando algo que pudesse ter surgido com um obstáculo na minha investida da noite anterior, mas não havia nada. Quando os meus olhos passaram pelo quadro na parede, eu gelei. Tinha uma frase escrita nele: "Ajudem-me". Não me lembro de ter feito aquela frase, mas a letra era minha. Entendi naquele instante, que um pedido de ajuda foi atendido. A energia daquela frase era desesperadora. Senti isso. Então compreendi que alguém havia intercedido e evitado o final trágico. Um anjo, talvez.
Ao longo do dia, fui tomando consciência da gravidade da minha situação e para onde isso estava me levando. O remorso tomou conta de mim, sentindo-me um "lixo" com as consequências impulsivas em que me vi envolvido. Refleti muito sobre isso, tentando encontrar um meio para curar essas tendências negativas. As lembranças do que tinha acontecido em Kanagawa com o meu renascimento, começou a pegar firme no meu interior. Isto porque estava ciente que desde aquele evento, a minha vida não me pertencia e sim, que havia um propósito para estar vivo e me restava a responsabilidade de não causar mais danos a este corpo.
Comecei a fazer uma autoanálise bem rigorosa sobre todos os aspectos que contribuíram para a minha recaída, incluindo aqueles momentos dramáticos em Shiraoka e de Fujisawa. Observei que um dos pontos que me derrubavam constantemente era a saudade dos meus filhos, da dor que isso causava na minha alma. Fui para o quarto e olhei a parede do meu quarto coberto com as lembranças daquelas crianças. Nisso, lembrei-me do que uma amiga de trabalho que sempre me visitava, disse uma vez: "Shima, guarda tudo isso, desse jeito você sofre mais!". Resolvi então me desfazer de tudo.
Não podia guardar porque traria sempre a mesma dor. Teria que por um fim naquele sofrimento. No fim da tarde, peguei uma panela e comecei a queimar todas as fotos e cartas dos meus filhos. A dor que isso me causava era indescritível. Enquanto as chamas engoliam parte de mim, uma história de amor, carinho se transformava em nuvens de fumaça. O meu coração sangrava e as lágrimas me sufocavam. Minhas mãos tremiam tanto que mal conseguiam segurar as fotos. Foi a minha primeira experiência dolorosa com o desapego. O elo que me unia à vida afetiva estava sendo desfeita. O preço era alto demais, mas tinha de ser feito. E fiz.
Naquela noite, como há muito tempo não ocorria, dormi aliviado. O peito não estava doendo mais. Sentia-me leve, sereno, tranquilo. Adormeci e tive um sono profundo.
(continua...)
Paz!
Shima









Terapeuta Holístico, de Regressão e Escritor. É fundador e Presidente da ONG “Grande Fraternidade Humana da Terra”. Realiza atendimentos com as técnicas de Terapia de Regressão, Terapias vibracionais, Massoterapia, entre outras. Facebook: https://www.facebook.com/escritorernestoshima Blog: http://www.ernesto-shimabuko.com E-mail: ernestoshima@hotmail.com | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Almas Gêmeas clicando aqui. |