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68, o ano que quase acabou...

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Autor Fernando Tibiriçá

Assunto Autoconhecimento
Atualizado em 04/07/2008 17:42:53


68 foi um ano que marcou época para muitas gerações, para mim, especialmente (em 96, decorei o bar Mariajoana, do qual fui sócio, com dados da época, com os acontecimentos políticos que tomaram Paris e Praga), perdi meu avô, que era um anjo, um segundo pai, que tratava os netos com o carinho que só um bom avô conhece. Nesse ano, também perdi o Deewey, um boxer alemão, que morreu ao atravessar a avenida Europa (onde eu morava com os meus pais) para se encontrar com uma cadela, que estava no cio e ficava na casa do vizinho da frente. O Cougar que atropelou o meu amigão foi encontrado com a frente amassada numa concessionária. Deewey era muito grande e pesado.
Nessa época, eu gerenciava uma agência de propaganda e estava lançando o Bip, percussor de qualquer aparelho de rápida chamada. E foi ele que me salvou. Em 22 de dezembro de 1968, sofri um acidente de carro. Viajava com minha namorada e, para impedir um impacto maior, ao perceber que o carro bateria, estendi o braço direito para segura-lá. Mal consegui frear. A colisão foi com um monte de blocos de concreto no novo acostamento da via Anchieta (ainda não havia a Piaçaguera). Estávamos voltando do Guarujá, nos desentendemos e resolvemos não mais ficar por lá. Caí fora do carro e quase fui atropelado.
Sem conseguir me movimentar, pressenti meu velório, relembrei minha infância. A ordem dos fatos mudava a todo instante. Escutava pessoas parando para nos socorrer. Diziam que a menina estava morta e que eu estava morrendo, que era melhor não mexer em mim. Uma Kombi parou. O socorro estava garantido. Um senhor sugeriu que nos levassem para o Hospital das Clínicas. Reuni as forças que me restavam, movimentei minha mão esquerda para chamar a atenção deles e, balbuciando, disse que não queria ir para o Hospital das Clínicas, que preferia ir para o Samaritano. Todo mundo sabia que o dr. Zerbini, o primeiro médico brasileiro a fazer um transplante de coração, estava esperando um doador no Hospital das Clínicas. Eu era jovem, fazia esporte, não fumava, não bebia e tinha tudo para ser um bom doador. Fui parar no Samaritano. Quando chegamos, esticaram a minha perna, que estava dobrada por causa de fraturas no fêmur e no joelho. Gritei. Pessoas que estavam em um velório vieram me socorrer e um tumulto se formou.
Minha namorada teve um pequeno afundamento no malar, mas ficou bem. Eu fiquei três meses no hospital, tendo o teto como uma tela. Comecei a projetar a minha vida nessa tela a partir das condições em que me encontrava – 500 pontos no rosto, hemorragia interna, mão direita quase decepada, cotovelo quebrado, fêmur arrebentado, joelho esmigalhado, cortes... Durante uma semana, os médicos e enfermeiros vinham cheirar a minha mão sem que eu percebesse. Havia a possibilidade de gangrena, os recursos eram outros. Eu só fui salvo porque os médicos que me socorreram usavam o tal do Bip, que eu acabara de lançar.
Fui atendido por vários médicos e um deles se tornou meu amigo, dr. Valdemar Carvalho Pinto. Ele brincava comigo e me consolava até que, um dia, entrou no quarto, pediu para minha mãe sair, puxou uma cadeira e começou a falar. Eu não tinha idéia do estrago. Estava todo imobilizado e enfaixado. Com muita calma, o dr. Valdemar começou a contar o estrago real, a reconstrução de parte do meu corpo e o quase um ano que eu teria pela frente, em recuperação. Isso, na melhor das hipóteses. Era quase Reveillon de 68 para 69. Ele falou muito carinhosamente e foi embora. Chorei durante muito tempo sozinho, enquanto minha mãe chorava do lado de fora, ouvindo o dr. Valdemar. Olhando para o teto branco, o caminho começou a clarear.
Pedi para trazerem de casa a televisão, o aparelho de som (ouvi muito Otis Reding e Marvin Gaye), o violão. Todo dia, tinha a companhia de enfermeiros para assistirem algo comigo na TV. Havia também as visitas de familiares e amigos. Minha mãe, às vezes, se cansava e sofria com o meu sofrimento. Envelheci os meus pais uns dez anos. Não havia plano de saúde. Quebrei tudo e todos. Teve momentos em que não havia mais onde darem injeções. Eu tomava sedativos via oral acompanhado com figo e sorvete de chocolate, que eu adorava. Com isso, a medicação era mascarada e eu melhorava.
Minha mãe saia de cena e era um festival de médicos e enfermeiros indo verificar meu estado geral.
Conheci um paciente japonês que todos os dias marchava pelo corredor usando um quepe, batia continência etc. Em casos mais graves, quando as pessoas chegavam arrebentadas, inconformadas, os médicos e enfermeiros me levavam até elas para que eu lhes desse uma palavra de consolo e otimismo. Na verdade, eu mesmo não sabia se ia voltar a andar e ter movimentos na minha mão direita. Amigos meus iam me visitar e passavam mal ao me ver. No Natal de 68, fui acordado com o coral do hospital cantando canções natalinas. Chorei e pedi a Deus uma chance. Uma única chance.
No Reveillon de 68 para 69, eu acordei por volta de 1 da manhã do dia 1o de janeiro. Olhei ao lado da minha cama e lá estavam meus pais, meus irmãos, minha cunhada, minha sobrinha e minha avó querida. Todos em silêncio, zelando por mim. Não podia haver emoção maior. Em março, fui para casa. Mais seis meses de cama com o braço direito engessado e engessado da cintura para baixo, pela perna direita. A cama era o meu mundo, minha mãe, a minha enfermeira. Só mãe que é mãe topa uma parada dessas. Tirei o gesso e comecei a treinar como me acomodar na cadeira de rodas. Depois, foram muletas e, mais tarde, a bengala.
Quando estava engessado, tive uma cólica de rins às três da madrugada e um amigo me ajudou buscando os remédios que o Dr. Valdemar, após ser novamente chamado pelo Bip, receitou pelo telefone. De muletas e com a ajuda de amigos, comecei a sair para me divertir tendo todos eles como meus “seguranças”. A bengala, anos mais tarde, dei de presente para o piloto Paulo Tognocci (campeão de motociclismo), que se acidentou numa prova, em Interlagos, que eu produzi, dirigi e narrei para a TV Bandeirantes.
Minha recuperação aconteceu com muita natação no mar, dança e artes marciais, mais precisamente, o karatê. Em 1980, tentei articular uma campanha nacional em que as prefeituras entrariam com ginásios e mestres de karatê ensinariam deficientes físicos em geral. Eu já havia visto uma exibição em Nova York de um Karateca em cadeiras de rodas. E, poucos anos antes, tinha sido voluntário na AACD – Associação de Assistência à Criança Defeituosa. Vaidade e orgulho impediram que os mestres se juntassem. Os possíveis patrocinadores se assustaram com as artes marciais e tudo ficou para o futuro... (trecho extraído do livro "Encontros e desencontros do Caminho" - Fernando Tibiriçá)
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