A Cela
Atualizado dia 8/8/2007 3:20:18 PM em Autoconhecimentopor Marcos Spagnuolo Souza
No início, passei todo o período deitado, hora dormindo, ora acordado, ou acordado dormindo ou dormindo acordado. O tempo foi passando e resolvi fazer alguma coisa e passei a estudar a técnica de construir cadeiras, armários e mesas. Foi um período útil, nada mais que útil, sendo apenas uma atividade dentre outras atividades que consomem o tempo. Abandonei o construir por ser uma coisa muito superficial e me deixei mergulhar no nada fazer. Um dia chegou um pregador das palavras de Deus, mostrando-me o caminho da salvação. Escutei o pastor durante muitos anos até chegar à conclusão de que um homem não pode ensinar a outro homem, todos são iguais.
Na estante que fabriquei tinha um livro com o pensamento de todos os filósofos e vagarosamente passei a estudá-los. Li todos, de Tales de Mileto a José Ferrater Mora. Foi interessante para passar o tempo, era o pensar deles e não o meu.
Sem nada fazer, para ocupar o tempo procurei investigar profundamente uma folha seca, que tocada pelo vento, passou pelas grades da janela e caiu em minha cama. Estudei muito, por fim, não mais existia a folha e sim apenas um pequenino elétron que era o meu objeto de estudo. Na minha cela, inúmeros blocos de papel com as minhas teses e contrat-teses da antiga folha que um dia participou de uma árvore. Parei, olhei tudo em volta e acabei jogando toda aquela papelada no vaso sanitário. Tempo perdido ou tempo ganho, não sei, só sei que estudar o ente não leva a lugar nenhum, só ocupa espaço.
Através das grades, via rostos desesperados e atitudes de agonia. Tomado pela compaixão, procurei doar-me na tentativa de aliviar a dor dos outros. Transformei-me, com o passar das luas, em um benévolo cidadão. Inútil, totalmente inútil, cada um é cada um e todos estão na mesma prisão. Sozinho na cela, olhando para um lado e para o outro, contemplando a formiga caminhando na parede levando um pedaço de alimento para o formigueiro, trabalhando para a coletividade, tive a intuição de gritar: “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. Ao mesmo tempo todos os presos, em uníssono, responderam: “Viva”.
Passei a ser o líder, o defensor dos princípios idealísticos. Ilusão, somente ilusão; palavras, apenas palavras... Estamos todos enjaulados nesta cadeia aparentemente bonita.
Um dia, estava já com os cabelos brancos e observei que eu só conhecia o meu corpo, eu não conhecia a minha essência. Será que de fato eu existo? Olhei para os lados e vi que conhecer o que possui altura, largura e espessura era fácil. Existem métodos para se conhecer o fenomenológico, mas eu não queria conhecer o tridimensional. Queria apenas conhecer a essência que existe no interior de todo ente, queria me ver, queria me encontrar comigo mesmo, queria deparar com o sujeito que estava vestindo aquele corpo, que eu enganosamente chamava de eu.
Resolvi olhar para dentro de mim, mas a porta preta abriu e fui tragado pela morte.
Texto revisado por: Cris
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