A GAROTA AZUL DE CORAÇÃO AMARELO
Autor Hellen Katiuscia de Sá
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 11/17/2005 2:20:45 PM
Uma garota azul de coração amarelo viajava no trem. Ela contemplava a paisagem na janela. A esse momento percorríamos a floresta de meias. Tinha esse nome por causa das árvores. Seus caules eram listrados com várias cores, parecia que estavam calçadas de meias. As folhas das árvores, mesmo sendo da mesma espécie, eram contraditórias. Havia copas assemelhando-se a um tipo de cabelo “black power”... Outras, por sua vez, tinham cipós marrons no lugar das folhas, tal cabelo de chapinha... Era uma paisagem, no mínimo, inesquecível, para não dizer desconcertante.
A essa altura eu ia pensando: “Porque será que as pessoas moldam idéias fixas na cabeça e quando se deparam com uma realidade mais flexível, teimam em tentar não compreendê-la?” Era algo tão normal as árvores terem “cabelos” diferentes... Cada uma a seu estilo. Nitidamente respeitavam-se e por isso todas viviam bem na floresta de meias.
Olhei novamente para a garota azul de coração amarelo e notei que não era a floresta que ela mirava. Então, na sua testa abriu-se uma pequena tela, onde pude ver suas preocupações. Ela estava com medo de ir para uma cidade onde não havia cores e nem imaginação. Ela seria diferente de todos... mas, diferente de todos mesmo!
Aí olhei novamente para a janela e a paisagem havia mudado. Agora cruzávamos um rio cristalino no céu e abaixo de nós os trilhos do trem flutuavam acima de uma leve neblina brilhante. “Que imagem linda”, pensei. Mas é claro que as mudanças geram pânico nas pessoas. Imaginem vocês se indivíduos de mentes enclausuradas vissem uma paisagem dessas! O resultado de reações poderia matar gente do coração...
“Isso não é nada” disse-me bem baixinho uma libélula que havia entrado no nosso vagão, como se ouvisse minhas divagações mentais. “A tendência natural das pessoas é de medo diante do diferente. O diferente gera ansiedade e descontrole emocional por isso as sociedades atacam pessoas e idéias muito distintas das suas”. Então, a libélula saiu novamente do vagão e foi arrastada pela correnteza de vento. Ia sorrindo pra mim. Que gracinha!
Depois que vi árvores com copas “black power” - eu já havia flexionado minha mente há muito tempo... - dei ouvidos à libélula e, realmente, as pessoas tendem a temer o desigual. Aí fiquei novamente pensando "Porque? Será porque, mudar gera conflitos internos? Ou simplesmente porque mudar o ângulo de visão ou estilo de viver requer uma força interior muito grande que a maioria não tem?" Não me contentei com essas pequenas explicações rasteiras que eu mesma me havia dado e foi o momento de a garota azul de coração amarelo tirar seus olhos da janela. Ela, então, encarou-me bem de frente. Nossa! Seus olhos eram dois planetas. Dois mundos diferentes! Mas estavam lá, no mesmo ser... E foi como se a resposta àquela questão viesse à tona.
As pessoas temem o desconhecido por não encararem o problema de frente. Por isso há o estranhamento. A reação diante do novo sempre tende a ser o medo. Isso ocorre porque não se conhece o que está se olhando. Uma paradinha estratégica para examinar o que está sendo proposto é sempre boa antes de tirar conclusões precipitadas.
Já pensaram se eu tivesse um coração e mente enclausurados? A pobre menina nunca poderia me pedir pra olhar por ela quando descesse na cidade sem cores. E aí não poderia estar aqui contando a vocês que, mesmo sendo diferente, a menina azul de coração amarelo venceu o preconceito das pessoas de sua cidade e a transformou num povoado mais colorido e alegre do que a Disneylândia.
Como eu sei disso? Bem, porque fui ao passado e abri meu coração para o presente da vida: amigos. Eles são todos diferentes mas nutrem um amor comum: o de se conhecerem e se amarem pelo jeito que são.
Hellen Katiuscia de Sá
17 de novembro de 2005
Texto revisado por Cris
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