A PARTEIRA
Atualizado dia 9/21/2006 1:05:03 PM em Autoconhecimentopor Hellen Katiuscia de Sá
Dentro do coche, uma mulher grávida. Haveria de dar à luz ao filho ainda hoje à noite. Pois a carroça corria o mais rápido que o corcel podia arrastá-la atrás de si, rumo à casa da parteira.
Através da mata, mal se ouvia som de civilização... Foi teimosia de dona Damiana em querer ir para o campo, passar os três últimos meses de sua gravidez. Agora precisava de médico da cidade grande. Não havia nenhum, nem vizinhos próximos. Havia somente a parteira Madalena.
A ela devia-se o nascimento de quase todo povoado daquelas redondezas. Madalena – a parteira, como era conhecida, já sabia que lhe vinham procurar... Era já experiente. E toda vez que pousava um anum em uma das janelas de sua casa, era prenúncio de parto difícil... Foi ao quarto e acendeu, junto ao altar, uma vela para Cosme e Damião pedindo proteção à criança e para mãe que se aproximavam.
Na estrada, dona Damiana já sofria as dores do parto. Dores compartilhadas, inconscientemente, pelo pobre cavalo que recebia lapadas no lombo obrigando-o ir mais rápido. Corria... Corria... Mas nunca se desvencilhava do castigo inexplicável do chicote, afinal seus olhos não viam o que lhe maltratava...
Damiana já sabia que nome dar ao filho. Se fosse homem, seria “Francisco Emiliano de Moraes Neto”. Se fosse mulher, seria o nome da avó paterna “Ambrosina Ferreira Capistrano Prado”.
A carroça e seus passageiros estavam próximos da casa de dona Madalena, e a magra velha já se encontrava junto à porta aberta, esperando...
Mal a carroça parou, o cocheiro ajudava dona Damiana a sair desajeitadamente agonizando. Gritava, rangia os dentes. Era uma dor descomunal, que chegava a paralisar as pernas... dona Madalena não gostara do que viu.
A mulher grávida foi deixada no quarto da parteira, com tudo pronto. E dona Madalena fora acordar a neta para auxiliar. Sebastiana, aos dez anos, já havia ajudado a avó fazer para mais de setenta partos! Foi lavar as mãos, colocar roupa limpa, amarrar os cabelos... com a mesma naturalidade como quem apronta um fígado de boi para cozinhar.
Sebastiana ao chegar no quarto da avó parteira, havia deitado na mesinha junto à porta, uma pequena bacia com água quente e uma tesoura. Foi quando dona Madalena olhou para o rosto da neta e viu-lhe a face cadavérica!
“Meu Deus!” – exclamou. “Vem criança cismada, ou morta...”, nesse mesmo momento abriu-se a janela do quarto com um golpe violento do vento, e este tomou todo recinto com seu som uivoso e assustador. Sebastiana correu rápido para fechar a passagem, mas já era tarde... a ventania que ali entrara, ficou.
Resignada, dona Madalena faz o parto. Damiana gritava... o cavalo preso à carroça na frente da casa, retorcia os olhos pavorosamente... os cachorros no quintal, choravam agitados... Havia algo no ar que assustava.”É essa, a criança...” – pensava dona Madalena.
Após passar madrugada inteira em doloroso trabalho de parto, mãe e filha descansam uma ao lado da outra. Menina Sebastiana dormia com a mesma naturalidade como se comporta uma pedra jogada ao mar... os animais, já tranqüilos, saudavam o sol rasgando as últimas nuvens escuras da madrugada.
Dona Madalena, não conseguiu dormir, olhou para a tez oleosa e ressonante do cocheiro que trouxe as duas mulheres, à sua casa. Aproximou-se da janela frontal, e pensou: “Graças! Deus apiedou-se de mim. Enfim, mandou a pessoa que irá tomar o meu lugar”.
Hellen Katiuscia de Sá
Belém/Pa, 01 de setembro de 2006
Às 10:45 am
Texto revisado por: Cris
Avaliação: 5 | Votos: 5
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