ANA MARIA



Autor Hellen Katiuscia de Sá
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 1/17/2006 3:19:15 PM
E as palavras deslizavam em trilhas pelos ouvidos de Ana Maria e ela, sem muita opção, só fazia escutá-las. A voz era sempre a mesma: indefinida e sem som. Poderia ser masculina ou feminina? Não dava para saber, pois a voz apenas era ouvida lá dentro de Ana Maria, ecoando dentro de sua cabeça, como idéias brotando aos montes num terreno fértil de imaginação.
Desde pequena fora assim. Acostumou-se aos diálogos silenciosos de si para consigo mesma. Nas manhãs de maio sentava-se sobre a janela do pátio de sua avó e lá permanecia inalterada. Apenas ouvia histórias inteiras, infindáveis, de reinos distantes, de personagens diversos que poderiam ser ela própria. Mas não eram! E no olhar perdido de Ana Maria descortinavam-se cenas e mais cenas que um dia poderiam virar livros, filmes, peças, novelas, contos, romances... Ana Maria não se importava. Apenas ouvia, como se aquela voz a deixasse mais perto de casa.
À noite as palavras ganhavam vida. Transformavam-se em hologramas onde Ana Maria podia tocá-las. Era o seu mundo. Um mundo onde as palavras não precisavam de letras concretas para se manifestar. Elas apenas escorregavam ouvidos adentro de Ana Maria. À noite os sonhos eram as palavras e as palavras nasciam em hologramas concretos e transparentes. E nesses sonhos existiam portas e mais portas, às quais somente Ana Maria tinha acesso.
Um dia, quando criança, quis contar a uma coleguinha sobre seus sonhos. E esta chamou Ana Maria de louca! Ela, então, nunca mais comentou com ninguém sobre suas chaves e nem sobre as portas. Guardou-as todas para si, para um dia expô-las sob forma concretamente virtual.
Hoje em dia Ana Maria vive a agonia de estar entre o lá e o aqui... E às vezes quer deixar-se ir de vez para seu mundo de palavras que não precisam de letras, que saem através de portas infindáveis rumo aos seus ouvidos adentro. Mas ela resiste porque sabe que ainda precisa estar aqui, auxiliando tantos outros iguais a ela a atravessarem suas próprias portas interiores. Quanto mais pessoas souberem passar através de suas portas, ela não mais precisará viver nesse mundo de imagens concretas e mortas, onde veio nascer.
E Ana Maria continua a ver e ouvir; registrar e escrever; caminhar e ultrapassar o concreto cotidiano. Tentando apenas viver o que ela já sabia e tinha escolhido para si...
Hellen katiuscia de Sá
17 de janeiro de 2006
Texto revisado por Cris
Avaliação: 5 | Votos: 4




Visite o Site do autor e leia mais artigos.. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |