As Amoreiras ( contos que ouvi )
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Autor Roberto Perche de Menezes
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 2/4/2007 10:48:01 PM
Todo fim de tarde, o velho ônibus da prefeitura lotava com os estudantes que estudávamos na cidade vizinha. Praticamente todos trabalhávamos durante o dia e, à noite, fazíamos colegial ou equivalente. Cursos que não havia, naquela época, na nossa pequena cidade.
A viagem não demorava meia hora, e sempre havia muita bagunça no ônibus lotado, na ida e na volta. Não havia mulheres, então, que estudassem à noite.
Naquela tarde, um dos meus colegas de classe e um dos meus melhores amigos, o Roberto, apareceu com uma idéia que achei simplesmente sensacional: uma tecelagem de seda havia se instalado na região e estava fazendo parceria com pequenos proprietários rurais para a criação do bicho-da-seda. Fornecia as matrizes e os ramos de amoreira, cujas folhas eram o principal alimento dos bichos, até a formação do casulo, que eram então comprados para a fiação da seda.
O Roberto ficara sabendo que para se plantar uma amoreira bastava enterrar a ponta de um galho de uma árvore adulta. A partir daí crescia uma nova árvore, que não precisava de grandes cuidados e que, em algum tempo, transformava-se em uma enorme árvore frutífera.
A idéia dele: juntar um grupo de amigos, solicitar ramos à empresa e plantá-los nas margens do rio que separava os dois municípios, onde morávamos e onde estudávamos, e sobre o qual passávamos toda noite.
Achei a idéia sensacional: em pouco tempo, a custo quase zero e com pouco trabalho, na verdade diversão, teríamos às margens do rio com árvores frondosas, sombra para pescar, frutos para pássaros e peixes, e prevenção do assoreamento do rio. Comprei a idéia na hora.
Assim que o ônibus começou a viagem, gritamos para que todos ouvissem e apresentei a idéia. Houve um segundinho de silêncio perplexo. Antes de contar o que aconteceu em seguida, vale esclarecer alguns pontos. Para a turma do ônibus (e talvez para toda a cidade), o Roberto e eu éramos, no mínimo, dois caras meio estranhos, porém inofensivos.
Vivíamos numa época em que poluição era palavra desconhecida, desmatamento era rotina (sim rotina! de tanto mato que havia, para abrir e formar fazendas de café, lavouras e pastagens), aquecimento global e buraco na camada de ozônio, nem nos filmes de ficção científica.
Então, chegar para um grupo de rapazes, cujas maiores preocupações eram mulheres e futebol, e não necessariamente nessa ordem, e convidá-los para plantar árvore na beira do rio, também já era demais!
Por isso é que só houve um segundo de silêncio perplexo. Em seguida, a coisa estourou. Por sorte meu irmão mais velho já era veterano nas viagens e impediu que o Roberto e eu fôssemos jogados pelas janelas do ônibus.
Durante muito tempo, sempre que o ônibus passava sobre a ponte, ouvíamos gozações do tipo "pára o onibus pros caras plantarem abóboras pras capivaras". "E alpiste para os passarinhos". Mas isso nós tirávamos de letra. Recentemente, conversando em um grupo de estudos, comentei o episódio e a frustração por não ter plantado, à época, as amoreiras.
Trocamos opiniões e ouvi, entre outras coisas, que todos nós somos chamados, um dia ou outro, a colaborar com a saúde do planeta.
Que o planeta é um ser vivo, sobre o qual habitamos, junto com milhares de outras formas de vida, muitas já extintas, outras em extinção e outras, talvez, surgindo.
Que o planeta já existia, continuou e continuará existindo, a despeito do desaparecimento ou surgimento de formas de vida sobre ele. Que algumas dessas formas de vida, assim como fatores externos, vindo do espaço, podem ocasionalmente provocar mudanças climáticas em sua superfície. Mudanças essas que podem parecer drásticas para esses seres que só sobrevivem dentro de estreitas variações de temperatura ou concentração de gases, mas que para o planeta, não representam quase nada. Ele já passou por eras glaciais e por eras de magma em sua superfície.
E se manteve do mesmo tamanho e formato, com suas rotações e circunvoluções.
Mas, e nós!? Não representamos algo mais que simples matéria? Não somos diferentes dos dinossauros, a despeito de eles terem vivido na terra um período de milhões de anos mais longo que o tempo que estamos aqui?
Bem, se há crença, se há fé, então existem outras dimensões, outros planetas e planos existenciais. Somos imortais mesmo se extintos como forma de vida neste planeta.
E se isso é fato, que fardo carregaríamos para onde formos?
Isso, como todas as expiações e méritos, é individual. Se você tem convicção que fez a sua parte para a saúde do planeta,em sua nova morada não haverá o que temer.
E para todas as outras coisas relacionadas à sua vida aqui,será assim. Você colherá o que plantou.
Vale lembrar uma passagem do Livro dos Mortos, do Egito antigo.
Ao subir o rio da eternidade e se apresentar perante o júri final, o viajante declarou: "em vida não roubei, não aproveitei das viúvas nem dos órfãos, não matei".
E o juiz, mostrando-lhe um pedra, disse: "essa pedra também não fez nada disso.
Diga-me, agora, o que fez de bom e positivo para o seu semelhante".
O plantio é opcional. A colheita é obrigatória.
Texto revisado por: Cris
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