Carlos Prado o médico dos Andes - Parte I
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Autor Aos Filhos da Terra
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 05/09/2007 18:21:20
Texto de Paulo Urban (*)
(*) Paulo Urban é médico psiquiatra e Psicoterapeuta do Encantamento
e-mail: [email protected]
Carlos Prado é representante do povo Quéchua, uma das três principais etnias a compor o império incaico, responsável pela língua oficial adotada pelos Inca. Grosso modo, à época da colonização, além dos Inca propriamente ditos, concentrados entre Equador e Peru, fazendo de Cuzco a capital do império, havia diferentes culturas, entre elas os Quéchua e os Aymara, que povoavam os altiplanos da Bolívia. Os Inca tinham alcançado alto desenvolvimento político, militar e social, e dominavam a extensa região andina quando, em fins do século XV os espanhóis aqui chegaram, conquistando-a de forma atroz, chefiados por Francisco Pizarro.
Mas Carlos Prado não é um curandeiro qualquer; associando a sabedoria andina ao conhecimento científico, dedica sua vida à divulgação e preservação de sua milenar cultura. É fundador de uma ONG, chamada KU.S.KA, atuante nas áreas de saúde, educação e ecologia. O nome é abreviação de Kuska Sumaj Kausanapaj, que em quéchua significa “Juntos para viver melhor”. Kuska oferece uma série de cursos ministrados na língua nativa e se preocupa em educar crianças, expressando seu ideal de preservação dos valores da sociedade andina, não competitiva, em que as pessoas se ajudam mutuamente e respeitam sobretudo a natureza. O xamã é ainda criador da Escuela Inkari de Medicina Tradicional, reconhecida desde 1995 como utilidade pública pelo governo boliviano, voltada que está para a formação de promotores de saúde em seu país. Além disso, Carlos desempenha há anos a função de médico naturista em Cochabamba (Bolívia), e o trabalho social que desenvolve, hoje repercute internacionalmente, recebendo tanto o respeito da ciência acadêmica como do saber tradicional, preservado por curandeiros de várias etnias andinas.
Conheci o bruxo em 1996; quantas infinitas razões não se escondem por trás do aparente acaso dos encontros! Eu fora convidado a um Congresso Internacional de Psiquiatria realizado em sua cidade e, observando toda a programação, pude notar que entre tantos doutos professores e médicos do programa, havia uma única palestra a ser proferida logo no primeiro dia, por um simples sr. Carlos, sem dr. nem títulos colocados diante de seu nome: “A ayahuasca no tratamento de toxicomanias; proposta de tratamento não coercitivo da drogadependência”. Fiz questão de conferir. Tão logo o sr. Carlos iniciou sua preleção, o auditório todo se viu envolto num silêncio expectante, numa aura especial, nada característica desses encontros acadêmicos. Ocorria de fato um fenômeno: a platéia estava absorta, literalmente tomada por aquele índio que discorria com propriedade sobre temas científicos delicados, enfocando-os com uma espontaneidade segura, própria de sua sabedoria ancestral. Decidi-me ali mesmo a praticamente abandonar o congresso; apresentei-me ao curandeiro ao final de sua charla e, mediante sua permissão passei os demais dias do evento quase que inteiros em sua casa, local em que Carlos cultiva e armazena suas plantas medicinais, onde tem seu forno mágico, seus objetos de poder, também espaço de sua própria enfermaria, acostumada a receber pessoas de todo o país, às quais o curandeiro presta assistência. Pude assim explorar in loco seus profundos conhecimentos médicos, dando início àquilo que seria uma relação mestre-discípulo que até hoje se estende, semelhante à descrita por Carlos Castañeda em seus romances sobre o brujo iaque Don Juan.
Sem o saber, fora especialmente feliz em minha aproximação, pois Carlos Prado, ainda que até hoje conserve a simplicidade estampada em sua face, iniciava a partir de sua apresentação no citado congresso, um caminho de crescente respeito no meio acadêmico internacional. Dentre tantas outras referências, vale dizer que Carlos, no semestre seguinte, já era capa da revista austríaca científica de farmácia, ÖAZ - Österreichische Apotheker-Zeitung, edição de janeiro 1997, ano este em que esteve pela primeira vez no Brasil a meu convite, lotando os auditórios nas palestras que proferiu no CEP - Centro de estudos psicanalíticos e na USP, a convite do departamento de História. Nessa passagem fez seu primeiro contato com a Escola Mutirão de ensino infantil, fundamental e médio (pois Carlos faz questão de falar às crianças e aos jovens nos países por onde passa), situada numa chácara na Granja Viana, em Cotia (SP), com a qual tem estreitado laços, inclusive via Internet, a fim de promover uma verdadeira troca cultural e pedagógica entre jovens brasileiros e bolivianos interessados em preservar a identidade cultural que nos irmana. Curiosamente, o sentido da palavra “mutirão” é uma tradução perfeita daquilo que significa o termo “kuska”.
Em Cochabamba decidiu-se que a cidade de São Paulo seria a sede do encontro seguinte, o V Congresso Ibero Americano de Psiquiatria, cujo tema central foi “Saúde e Hospitalidade no III º Milênio”, promovido pela Ordem Hospitaleira de São João de Deus. Na ocasião, como era eu o diretor clínico do hospital psiquiátrico de São Paulo, pertencente à Ordem, tornei-me, portanto, um dos organizadores do evento, e não medi esforços para que Carlos Prado viesse abri-lo. Palestrantes da América Latina e Central, convidados europeus e várias autoridades da psiquiatria brasileira assistiram então a uma não ortodoxa conferência de abertura; pela primeira vez um congresso médico internacional era aberto por um xamã, com uma demonstração ritualística de suas práticas mágicas terapêuticas.
Após o Congresso, Carlos viajou para ministrar palestras no Instituto de Ciências Humanas da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto, Minas Gerais), e a partir daquele dezembro seria ano a ano convidado a apresentar-se nos países nórdicos, sempre falando a doutos cientistas e às crianças nas escolas, ocasiões em que o bem articulado curandeiro nos conta um pouco de sua história, fala de suas origens, discute botânica ou medicina com a mesma espontaneidade com que toma seus chás, e apresenta os principais enfoques de seu empolgante trabalho.
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