Conto: ACONCHEGANTE
Atualizado dia 10/25/2006 4:22:43 PM em Autoconhecimentopor Alberto Carlos Gomes Lomba
Esta foi a proposta da Administradora Dalma Magalhães ao empresário Bento Boni, diretor de um conglomerado de empresas, quase à beira da falência. Perplexo com a alta proposta que aquela mulher lhe fazia deu um sorriso sarcástico e disse: “É este o preço de um milagre?”
Dalma não se fez de rogada e comentou: “Milagres pertencem a Deus, apenas soluciono problemas de mau gerenciamento de empresas”. A resposta pegou Bento desprevenido. Afinal, fora ele quem a tinha convidado, devido ao seu currículo invejável, para salvar a holding “Ballstar”. Sem mais rodeios confirmou a contratação com um simples: “Aceito”.
Conhecida no eixo São Paulo-Rio como uma grande economista, Dalma tinha tirado, da beira da falência, várias companhias. A sua indicação para tirar a holding da quebra total veio através de Marcilio, diretor de Logística do grupo.
Retornando para seu luxuoso flat na Barra da Tijuca, enquanto seu carro blindado deslizava suavemente pela avenida, Dalma se questionava: “Lá se vão quatro anos de minha vida salvando empresas, acumulando fortuna e mais uma vez à beira de uma falência amorosa”. Seu terceiro relacionamento há muito entrara em concordata, caminhando para uma rota de colisão. ”Como posso ser tão mesquinha com minhas emoções? Meu primeiro casamento acabou. Nem um filho restou, pois evitei”.
Depois de entrar na garagem ficou ali parada algum tempo relembrando sua paixão por Ramires, que conheceu em Portugal, depois que se separou do marido. Tudo parecia tão lindo, mas durou pouco, pois ela não tinha tempo de lhe dar toda atenção e carinho que ele lhe dava. Lembrou de um dia em que estavam se amando e o celular tocou. Foi atender e ele jogou o aparelho janela afora. A lembrança lhe fez sorrir, mas com uma mescla de tristeza.
Agora, vivendo com Jaime, que criava gado em boa parte do Mato Grosso, notava que ele a estava traindo com sua melhor amiga, Flávia. Desceu do carro, tomou o elevador, automaticamente como fazia sempre, abriu a porta do flat e se dirigiu ao seu escritório particular. Ligou o micro e começou a trabalhar fazendo um organograma de como salvaria a holding de Bento Boni. Não se deu conta das horas e nem notou que Jaime estava se preparando para sair novamente. Escutou apenas a porta se fechar e correu para a varanda a tempo de ver seu carro saindo da garagem.
Voltou para a sala, foi até o bar, fez um coquetel, se jogou num sofá aconchegante e pensou. “Aos 50 anos sou rica, bonita, cobiçada, vitoriosa, bem resolvida... o que mais quero da vida?” Uma lágrima rolou em sua face. Lembrou que nunca teve o carinho de ouvir a palavra “mamãe”, que nenhum de seus projetos emocionais funcionou, que, na verdade, vivia em completa solidão, mesmo com todo seu sucesso profissional.
Voltou para o escritório, desligou o micro e procurou no meio de toda papelada uma mensagem do Talmud, que o Rabino Anderson havia lhe dado na sinagoga. Retornou à sala e se jogou novamente no sofá aconchegante e leu “Cuida-te quando fizeres chorar uma mulher, pois Deus conta as suas lágrimas. A mulher foi feita da costela do homem, não dos pés para ser pisada, nem da cabeça para ser superior, mas sim do lado para ser igual, debaixo do braço para ser protegida e do lado do coração para ser amada”. Dalma deixou a mensagem cair no chão e chorou copiosamente, aconchegada no seu conforto, tendo como companhia a solidão. Afinal, ninguém serve a dois senhores ao mesmo tempo.
Texto revisado por Cris
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