Contos: BOLO DE ANIVERSÁRIO



Autor Alberto Carlos Gomes Lomba
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 05/06/2005 07:10:44
O relógio digital, como numa dança do tempo, ia assinalando segundos, minutos e horas. Ruy Bastos observava, en passant, a mesa da festa-surpresa do seu aniversário.
Agora tudo era silêncio. Letícia, sua esposa, e que havia preparado a festa, recolhera-se ao aposento do casal. Na mesa ainda restavam alguns vestígios de salgados, doces, garrafas de bebidas, um belo arranjo de flores que conseguiu ficar intacto, e o que restou do bolo de aniversário.
O ambiente nem parecia o de horas atrás com tanto barulho, música e, mesmo, alegria. Estatelado numa confortável poltrona da sala do apartamento localizado no bairro de classe média, Aclimação, São Paulo, o aniversariante sentia um certo prazer em estar ali sozinho, fazendo conjecturas dos seus 59 anos.
Como num recall viajava para tempos passados. No tempo em que o Parque da Aclimação ainda era tolerável com muito verde, seu pequeno lago e até mesmo um ancoradouro onde se alugavam barcos a remo. E ali se reuniam amigos da sua turma de adolescentes, onde sonhos de um futuro melhor eram a tônica. E as sessões de cinema no Cine Astor, no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. A Rua Augusta, ponto chique e onde os “play-boys” faziam seus primeiros ensaios de rebeldia.
A lembrança da Revolução de 64 tirou Raul desses devaneios. Ali se iniciou sua saga de adulto, pois era, à época, universitário. Fatos marcantes e deletados pela memória aconteceram, naqueles tempos.
Agora era um homem prestes a entrar na terceira idade, casado, bem sucedido como comerciante e pai de dois jovens universitários.
E nessa retrospectiva, olhou, mais uma vez com carinho para as velinhas do seu bolo de aniversário. Tudo tão perfeito, tão burguês, tão perfumado, nada romântico, pois a vida cotidiana aprisiona o amor e liberta o comodismo.
De repente, todo esse momento especial, esse balanço retrô é dissipado pelo celular. Ruy aciona o aparelho e do outro lado da linha reconhece a voz de Ramirez, um colombiano radicado do Brasil. “Chefe, a encomenda chegou, venha armado para evitar qualquer surpresa, pois a Federal anda de campana”.
Mais uma vez o aniversariante olha para o bolo, se levanta, vai até a mesa, toma um gole de champagne quente, esboça um sorriso sarcástico. “Parabéns”, pensou, “devolvo à vida os sonhos que ela me roubou...”.
Texto revisado por Cris
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