Contos: PARAÍSO
Autor Alberto Carlos Gomes Lomba
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 8/29/2005 3:31:45 PM
Cuidado! Ao comprar passagem para o Paraíso não se esqueça da escala obrigatória no Inferno!
“Acredito que minha chegada ao Paraíso não será nada triunfal. Afinal, passei parte de minha vida sacaneando as pessoas, mentindo, criando situações embaraçosas; enfim, fui um grande sacana!”
Estes eram os pensamentos de Tadeu no seu leito hospitalar, amargando seus momentos finais com um câncer no estômago, cujas dores nem a morfina amenizava. Consciente ainda, com 57 anos, tinha certeza de que logo partiria desta para melhor, já que recebia, a cada dia, um parente longínquo, sinal de que as coisas não iam bem para seu lado.
Sua esposa, um pré-viuvinha de 45 anos, certamente seria consolada pelo seu amigo e sócio, Penalva, que nunca negou olhares de cobiça para seu traseiro volumoso. “Ainda bem que só vou deixar dívidas”, pensava o agonizante, certo de que com esta vingança estaria ainda mais comprometido com o pessoal lá de cima.
Quando a enfermeira Odete entrava no quarto sabia que lá vinha morfina para seu corpo desgastado e, com um sorriso, que ele considerava bem dantesco, lhe dizia “Ainda resistindo menino? Que bom.”
Dizem que perto da morte todo mundo vira santo, quer perdoar, quer ser perdoado, conta seus profanos segredos e o medo do incerto. Com Tadeu era jogo duro. Prometia resistir até o último momento. E assim seria um exemplo contra a eutanásia; mas já deixara claro que não doaria nem um órgão pois não queria chegar no Paraíso todo retalhado e sem olhos.
O esperado dia chegou. Uma dor mais forte fez com que Tadeu sucumbisse entre transes e choros dos presentes. Quando se deu conta lamentou ainda estar vivo e sentindo dores, porém se achava mais leve e ninguém queria conversa com ele. Tomou um susto quando viu seu corpo estendido num caixão no necrotério e um montão de gente conversando. Era seu velório. Estava morto, realmente. “E o Paraíso?”, pensou. “Cadê aquele montão de anjos tocando e me dando boas vindas?”
Ao contrário, teve que amargar o cheiro de velas, conversas e piadas dos presentes, sem falar do Penalva que já consolava a viuvinha. “Dona Myrtes pode confiar em mim, tudo farei para ajuda-la; afinal, o Tadeu era uma alma tão boa.” E a viuvinha num "basiquinho" preto e curtíssimo exibia as coxonas para futuros pretendentes.
O espírito de Tadeu ficou indignado. Durante toda a vida lhe prometeram o Paraíso e agora estava ali, vivinho da silva, no meio de um montão de sem-vergonhas e ainda com dores no estômago.
O pior foi o enterro. Teve de acompanha-lo também, e por sorte não foi enterrado junto porque um outro espírito, seu amigo, veio em seu socorro. “Sai de perto rapaz, senão tu vais junto”. E para alegria do Tadeu la estava o Zé Boneca um amigo que morreu de tuberculose de tanto fumar. Depois que todo mundo se foi Tadeu se sentiu triste mas Zé Boneca lhe explicou que era assim mesmo. “E o Paraíso Zé?”, indagou em lágrimas. “Queria tanto estar lá, no meio de anjos e santos, comendo do bom e do melhor e bebendo tudo que tenho direito, sem contar aquelas lindas anjas.”
Com um sorriso maroto Zé Boneca lhe disse: “Meu camarada, seu conceito de Paraíso está distante da realidade. Lá não tem nada disso não. Lá é só paz, calma, cânticos e por toda a eternidade, a não ser que você queira reencarnar de novo, na Terra, e começar tudo de novo”.
Tadeu pensou, pensou e disse ao espírito amigo:“Onde é que se compra passagem para essa tal de Reencarnação?”
Texto revisado por Cris
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