DE UM VELHO MAGO E SUA APRENDIZ
Autor Claudette Grazziotin
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 3/21/2004 10:45:32 PM
(Para Tranquilo Endrizzi, onde estiver)
A funilaria, um templo mágico. Nenhum outro adjetivo se adequaria melhor àquele lugar.
Ali, misteriosos rituais se sucediam a cada dia e ele manuseava atraentes instrumentos, realizando maravilhosas alquimias: Um mago no pleno exercício da magia.
Ao lado do templo encantado, moravam a menina e a fantasia da menina. As duas eram, diariamente, tentadas a penetrar no mistério do mítico local. Os sons vindos de trás do muro, qual flauta de Hamelin, bailavam no ar em combinações musicais ritmadas ora vibrantes e fortes, ora graves e intensas, atormentando a imaginação da menina e tornando irresistível a tentação de seguí-los.
Então, um dia, vacilante e medrosa, arrisca adentrar pela porta aberta, a visão turva pelo contraste da luz externa contra a escuridão do ambiente. Repentinamente...cessa a melodia. O toque de um abraço a envolve paralisando-a. Vê, porém, dissiparem- se o susto e os receios, ao pousar o olhar no rosto enrugado e sorriso claro. Ele apanha um pequeno cepo, assopra-o com vigor e assenta comodamente a menina.
É o sinal. Ela fora introduzida e aceita naquele incógnito mundo e o velho lhe conferira o grau de aprendiz.
Todo dia, o mestre revelava à menina uma nova fórmula secreta, novas poções. Ensinou-a, pacientemente, a utilizar aquela parafernália mágica e, em pouco tempo, ela orquestrava melodicamente, o martelo, a bigorna, a tesoura e o fole.
No altar que se erguia no centro da sala, a menina iniciou-se no místico ritual do fogo. Enquanto, compenetrada, ela se ocupava de avivar as brasas com o auxílio do fole, o mago lhe falava de salamandras mágicas, belas e sedutoras mulheres que bailavam nuas entre as labaredas atraindo para as chamas os mais incautos. A menina fascinada aprendeu sua primeira lição sobre paixão flamada e coração a consumir-se!
Aprendia também, a arte de submeter ao fogo duros e frios lingotes de metal transformando-os em incandescentes e macias formas e a fórmula da imersão em água fria para devolver-lhes a rigidez original.
A sutileza e voluptuosidade do gesto do mestre ao agitar no ar uma folha de flandres e a musicalidade produzida ao estendê-la sobre a mesa, encantavam a menina!
O som áspero e cortante da velha tesoura rasgando as entranhas da flandres era gemido sentido ao ouvido sensível.
A ligação entre a menina e o velho, verdadeiramente esotérica, extrapolava os limites da velha funilaria.
Daí, a mágica emoção da menina ao ver as latas de azeite subornadas à cozinheira com insistentes pedidos de maioneses e frituras pretendendo o rápido consumo do inconveniente conteúdo das preciosas peças, transmutadas pelas mãos do mago em fulgurantes e reluzentes canecas para serem exibidas àqueles, a quem não era permitido o acesso ao mágico templo. Elas eram o símbolo da afetuosa aliança entre o mágico e sua pretensiosa aprendiz.
Porém, o tempo passa e traça, insensível , novas geometrias. Assim um dia o mago morreu, a funilaria fechou , a menina cresceu. Mas, porque as lembranças subsistiram,hoje,rondaram obstinadamente meu sono e insistentes,pediram que eu contasse de um tempo, uma menina , um velho funileiro e sua funilaria .
ILUSTRAÇÃO: "Alchemy" -Jan Ternald
Avaliação: 5 | Votos: 9
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