Devemos resistir às tentações?
Atualizado dia 2/16/2016 11:21:34 AM em Autoconhecimentopor Flávio Bastos
Para Sigmund Freud, o Princípio do Prazer é caracterizado, resumidamente, pela evitação da dor, do desprazer e a busca do prazer, visando manter a excitação do aparelho psíquico no menor nível funcional possível. Prazer, para Freud, está relacionado à diminuição da quantidade de excitação no psiquismo, enquanto que o desprazer adviria do aumento desta quantidade.
Gozo
No mundo ocidental contemporâneo, onde a sociedade de consumo dita as suas regras e influencia o comportamento social e pessoal, é perceptível o estímulo a um tipo de exigência de satisfação irrestrita, que cria a cultura do supérfluo, do descartável e do excesso, ou seja, o prazer imediato sem contenção e sem barreira: o "gozo".
Segundo Lacan, o conceito de gozo remete a uma idéia de excesso, de uma transgressão (da lei), de um "ir além dos limites" ou "além do Princípio de Prazer". O gozo, portanto, é aquilo que está para além do Princípio de Prazer, que é da ordem do excesso, da transgressão, e que, segundo Lacan, é a causa do sofrimento. Entretanto, o resultado desta transgressão ao Princípio de Prazer não é mais prazer, senão dor, pois o que é prazer por um lado, por outro é desprazer. Além do limite, o prazer é acompanhado de dor, e este "prazer dolorido" é o que Lacan nomeou de gozo.
Sofrimento e as Transformações no Mundo Pós-Moderno
A teoria psicanalítica de Freud já estudava a dor humana. Para Freud, o sofrimento poderia brotar de três fontes: do corpo, do mundo externo e das relações com os outros. Na sociedade contemporânea, o sofrimento incomoda. "Foi a própria psicanálise que propôs o fim do mal-estar", lembra a psicanalista da PUC de São Paulo, Isabel Khan Marin. Segundo Isabel, entretanto, o sofrimento não acabou, mas adquiriu novas faces, fomentando a violência.
O psiquiatra Mario Pablo Fuks, acredita que as novas formas de sofrimento enfrentadas pela sociedade contemporânea são criadas em torno de modificações sociais e políticas às quais fomos submetidos. "Globalização, neoliberalismo, processos de ajuste econômico, tudo contribuiu para o surgimento de novos deprimidos e angustiados no mundo pós-moderno", teoriza. Na visão de Fuks, a sociedade de consumo controla o indivíduo.
"As pessoas padecem de uma falta de identidade e, em função disso, surgem as novas patologias", completa o psiquiatra da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Joel Birman. Para Birman, as patologias surgem na infância porque há uma quebra na organização familiar e na adolescência porque sem pontos de referência os jovens não sabem para onde ir.
Em "Sujeito e Gozo na Pós-Modernidade", a psicóloga Vanessa Nahas Riaviz registra que "o desejo de liberdade e a busca do prazer ao preço da perda da ordem e da segurança são modos de designar o momento em que vivemos, onde a velocidade das mudanças econômicas, tecnológicas e culturais torna objetos e relações rapidamente obsoletos".
De acordo com a ótica de Giles Lipovetsky, "Na sociedade pós-moderna, os grandes eixos modernos: a revolução, as disciplinas, o laicismo e a vanguarda foram desafectados à força da personalização hedonista (individualização na busca pelo prazer); já nenhuma ideologia política é capaz de inflamar as multidões. A sociedade pós-moderna já não tem ídolos nem tabus, já não possui qualquer imagem gloriosa de si própria ou projeto histórico mobilizador; doravante é o vazio que nos governa, um vazio nem trágico nem apocalíptico".
Em outras palavras, completa Vanessa Riaviz: "Falência dos ideais, queda do pai, globalização dos modos de vida e de gozo, são introduzidos pelo consumo, ao mesmo tempo que estes engendram um máximo de individualização, de personalização. O Multiculturalismo, a hibridização coabitam com o racismo, a violência, o ódio a qualquer gozo extraviado. Estes são os paradoxos da pós-modernidade. Os sintomas neuróticos clássicos dão lugar a novos sintomas como os atos delinquenciais, a síndrome do pânico, a apatia, o fracasso escolar, a toxicomania etc.. Diferentes das histéricas que Freud escutava e que lhes mostraram as relações entre o desejo e linguagem, apontando-lhe o caminho do inconsciente.
Com as transformações que sofreu a subjetividade, os seus processos de desterritorialização e criação de novos territórios, a partir da pós-modernidade, colocam-se as questões: Que tipo de sujeito se produz com a queda do pai? Quais as mudanças da posição do sujeito na pós-modernidade? Que sintomas são engendrados com esta nova forma de organização da subjetividade? Como o psicanalista pode interferir aí?"
Comentário
Todos os profissionais da área do comportamento humano, citados neste artigo, foram lúcidos e atuais nas suas abordagens a respeito das velozes mudanças que envolvem o mundo contemporâneo, onde a busca pelo prazer e o gozo misturam-se ao surgimento de novas patologias que trazem na sua esteira, o sofrimento oculto.
Neste contexto transformador do século XXI, naturalmente surgem dúvidas, incertezas e questionamentos que levam o profissional a refletir sobre a sua práxis inserida na sociedade pós-moderna. Reflexões que buscam respostas e formas de intervenção num contexto social conturbado pela crise de valores que começa no âmbito familiar e atinge praticamente todas as áreas de relações pessoais da malha social, onde a violência implícita e explícita encontra um terreno fértil para fincar as suas raízes.
Portanto, essa "lucidez momentânea" pode nos servir como aliada no processo de transformação social e cultural que vivenciamos nesta primeira metade do século XXI, que começa a exigir, dos profissionais da área da saúde mental, discernimento no sentido de encontrar uma nova intervenção subjetiva em sua metodologia de trabalho.
Realidade que esboça a criação ou surgimento de um novo paradigma, cujo ponto de referência encontramos no holismo que prioriza o entendimento integral dos fenômenos, em oposição ao procedimento analítico em que seus componentes são tomados isoladamente, ou seja, o princípio de Aristóteles, quando afirma: "O todo é maior que a simples soma de suas partes". Esta compreensão ou visão de realidades que se interconectam, estimula a expansão da consciência e a gradual mudança de uma mentalidade ainda arraigada à cultura da sociedade moderna.
A busca pelo gozo, que é a compulsão pelo prazer, mas que traz num plano inconsciente a dor e o sofrimento traduzidos como pulsão de morte, é a tendência atual, principalmente entre os jovens. Tendência que gera no inconsciente social indagações que começam a cristalizar no mundo ocidental contemporâneo, como a pergunta que faz jus ao título deste artigo, e que está à espera de respostas por parte da sociedade pós-moderna.
Por outro lado, no estado alterado de consciência, via regressão de memória, já conseguimos inúmeras respostas positivas relacionadas à compulsividade, ao pânico, à fobia e à depressão. Então, já temos uma pista ou um caminho em relação ao que inovar no campo do comportamento humano e as suas subjetividades.
Subjetivo no sentido do que se encontra subjacente ao desequilíbrio psíquico-espiritual manifestado em forma de patologia, o que poderá fazer da pergunta: "Devemos resistir às tentações?" uma resposta segura, equilibrada, inserida num contexto terapêutico sintonizado com a visão holística do ser humano em um mundo em permanente transformação.
Texto revisado
Avaliação: 5 | Votos: 8
Flavio Bastos é criador intuitivo da Psicoterapia Interdimensional (PI) e psicanalista clínico. Outros cursos: Terapia Regressiva Evolutiva (TRE), Psicoterapia Reencarnacionista e Terapia de Regressão, Capacitação em Dependência Química, Hipnose e Auto-hipnose, e Dimensão Espiritual na Psicologia e Psicoterapia. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |