Dr. H. Naki - O cirurgião clandestino



Autor Claudette Grazziotin
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 7/18/2005 2:03:27 PM
Recebi, hoje pela manhã, de meu amigo Sander, uma mensagem com um resumo da incrível e fascinante história de vida do Dr. Hamilton Naki.
Após a leitura fiquei me perguntando por que a grande maioria dos homens imprescindíveis para a elevação da humanidade, no transcorrer de sua trajetória, são obrigados a caminhar à margem da vida, percorrendo-a discriminados e sem receberem qualquer tipo de reconhecimento. Sei que é possível apontar tantos motivos quantos forem as convicções socio-culturais, políticas ou religiosas de cada um de nós. Porém, dentre a multifacetada gama deles, a realidade aviltante do preconceito racial criminoso e espúrio é um dos mais graves e está humilhantemente presente neste caso. Não se pode crer e confiar nas apregoadas idéias de paz, progresso e fraternidade com a humanidade contaminada pelo vírus do preconceito disseminando-se, descontroladamente e decidida a privilegiar uma etnia, tentando embranquecer tudo à força e sob opressão, cerceando a liberdade do direito à igualdade de oportunidades e de acesso ao conhecimento, ao trabalho, à educação, à saúde, ao reconhecimento de méritos, à riqueza.
Hipócrita, falar em fraternidade quando se nega o reconhecimento dos direitos inerentes a todo ser humano, independentemente de conceitos de raça, cultura, povo. Quando se nega o livre usufruir de uma cidadania digna e responsável a qualquer ser humano estamos condenando a humanidade toda ao sofrimento, à violência, à degradação e ruína acelerada e progressiva.
Eu não conhecia a história de Dr. Hamilton Naki; talvez alguns não a conheçam também. Para muitos poderá ser, há muito tempo, uma bandeira; o que importa é que sua vida é uma história com H maiúsculo. Doutor, sim, título recebido por conquista, mérito, capacidade, inteligência e amor, mesmo sem ter frequentado qualquer escola de medicina e não, por um diploma que alguns obtêm e lhes outorga o direito de poderem, muitas vezes, agir de maneira irresponsável, sem convicção, dedicação, ostentando-o pela vida, sem a competência, responsabilidade e dignidade correspondentes ao seu significado.
Ler sobre a vida exemplar de Dr.Naki foi um presente para mim. Um Mestre na arte da vida. Sua aceitação consciente das condições que lhe impingiram, sem insurgir-se contra a injustiça imposta pelo sistema vigente, revela-o sabedor de que era mais importante para o seu povo que pudesse mostrar seu trabalho, sua inteligência, capacidade e valor, contribuindo assim para a construção de uma sólida e maior auto-estima e valorização da consciência negra nas novas gerações, bem como, diante das outras etnias do planeta. Insurgindo-se, seu trabalho corria o risco de ser abortado e, certamente, hoje o exemplo de sua vida não serviria à causa da negritude e ao combate ao segregacionismo racial.
Vidas de seres especiais como Dr. Naki nutrem nosso espírito e vivificam a certeza de que só pelo amor vale a vida.
Claudette
Hamilton Naki, um sul-africano negro de 78 anos, morreu no final de maio(29). A notícia não rendeu manchetes, mas a história dele é uma das mais extraordinárias do século 20. The Economist contou-a em seu obituário.
"O cirurgião clandestino
Naki era um grande cirurgião. Foi ele quem retirou do corpo da doadora o coração transplantado para o peito de Louis Washkanky em dezembro de 1967, na cidade do Cabo, na África do Sul, na primeira operação de transplante cardíaco humano bem-sucedida.
É um trabalho delicadíssimo. O coração doado tem de ser retirado e preservado com o máximo cuidado. Naki era talvez o segundo homem mais importante na equipe que fez o primeiro transplante cardíaco da história. Mas não podia aparecer porque era negro no país do apartheid.
O cirurgião-chefe do grupo, o branco Christiaan Barnard, tornou-se uma celebridade instantânea. Mas Hamilton Naki não podia nem sair nas fotografias da equipe.
Quando apareceu numa, por descuido, o hospital informou que era um faxineiro. Naki usava jaleco e máscara, mas jamais estudara medicina ou cirurgia.
Tinha largado a escola aos 14 anos. Era jardineiro na Escola de Medicina da Cidade do Cabo. Mas aprendia depressa e era curioso. Tornou-se o faz-tudo na clínica cirúrgica da escola, onde os médicos brancos treinavam as técnicas de transplante em cães e porcos.
Começou limpando os chiqueiros. Aprendeu cirurgia assistindo experiências com animais. Tornou-se um cirurgião excepcional, a tal ponto que Barnard requisitou-o para sua equipe.
Era uma quebra das leis sul-africanas. Naki, negro, não podia operar pacientes nem tocar no sangue de brancos. Mas o hospital abriu uma exceção para ele.
Virou um cirurgião, mas clandestino. Era o melhor, dava aulas aos estudantes brancos, mas ganhava salário de técnico de laboratório, o máximo que o hospital podia pagar a um negro. Vivia num barraco sem luz elétrica nem água corrente, num gueto da periferia.
Hamilton Naki ensinou cirurgia durante 40 anos e aposentou-se com uma pensão de jardineiro, de 275 dólares por mês. Depois que o apartheid acabou ganhou uma condecoração e um diploma de médico honoris causa. Nunca reclamou das injustiças que sofreu a vida toda."
ILUSTRAÇÃO: DR. HAMILTON NAKI-Cape Argus-Trace Image
https://www.economist.com/people/displayStory.cfm?story_id=4054912
Texto revisado por Cris
Avaliação: 5 | Votos: 21




Visite o Site do autor e leia mais artigos.. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |