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E eu que torcia pro bandido... Parte 1

Atualizado dia 10/27/2006 11:01:18 AM em Autoconhecimento
por Mauro Kwitko


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Lembro quando eu era criança, em Passo Fundo, na década de 50, que íamos no cinema lá na praça na matinê, que era à tarde e, frequentemente, os filmes eram de bang-bang, como chamávamos, em que havia os mocinhos, os bandidos e, entre esses, os índios. Geralmente era assim: caravanas de americanos loiros, com suas esposas loiras e seus filhos, meninos e meninas, loirinhos, lindos, limpinhos, todos alegres, gentis, simpáticos, com uma bela melodia suave ao fundo, iam entrando em uma terra estranha e hostil, para conquistá-la, colonizá-la, com muito amor e esperança no coração, para levar a civilização para lá. Tudo ia correndo bem até que de repente a música começava a criar um clima assustador, os loiros e as loiras e os loirinhos e as loirinhas começavam a se olhar, a se encolher, e tcham, tcham, tcham, tcham... quem aparecia lá no alto das montanhas, escuros, assustadores, montados em cavalos pretos, ameaçadores, malvadões? Os índios! Selvagens, hereges, malditos! Que direito tinham de atrapalhar e ameaçar as nossas caravanas, brancas, loiras, plenas de amor, de esperança, de alegria, que tinham apenas a intenção de colonizar aquela área selvagem, inóspita, levar a civilização, o progresso, para aqueles pobres índios, sem Deus, maus, cruéis, que ao gostavam da gente, que insistiam com a idéia absurda de que aquela terra era deles, que os animais, as águas, as florestas, seus cemitérios, eram sagrados, deviam ser respeitados, preservados? Mas e a civilização? E o progresso? Que absurdo... Selvagens! E nem eram cristãos, talvez nem tivessem alma...

E lá estavam eles no alto das montanhas, espiando, tramando, qual obscuros terroristas, chefiados por algum Bin Laden bandidão, à espreita, aguardando a caravana chegar em um ponto mais vulnerável, para atacar, matar a gente, os brancos decentes, inocentes, religiosos, com Bíblias na mão, bem-intencionados, sensíveis, decentes, que só queriam modernizá-los, trazer a civilização para eles, trazer Deus para aqueles pobres e perdidos pagãos... E a música ia aumentando, ficando cada vez mais assustadora, e nós, como eles lá, nos encolhendo, apertando a boca, esfregando as mãos, uns iam ao banheiro mijar, eu frequentemente, alguns se davam as mãos, lá e aqui, a música piorando, ficando tenebrosa, os brancos coitados, indefesos ante tão cruel ameaça, fazendo aquele círculo de proteção com suas carroças, as mulheres para dentro das carroças! Levem as crianças! E lá iam elas coitadinhas, agarradas às suas mães, os homens gritando, malditos! Selvagens! Defendam-se! Lá vem eles, escuros, ameaçadores... Deus esteja conosco! E os índios malvados nos atacavam, em seus cavalos pretos, correndo, gritando, blasfemando, indignos! A música aumentando, mais clima, mais clima, nós todos gritando, os índios gritando, os homens gritando, as mulheres e as crianças chorando, e os tiros, para cada 5 ou 6 índios que morriam, um branco tombava, o bem não pode ser derrotado, malditos! Selvagens! Atirem nos cavalos! E os índios se aproximando, o desfecho iminente, são muitos, parece que surgem do chão, não poderemos agüentar muito tempo... Protejam-se! Mandem alguém pedir ajuda ao forte mais próximo! Já mandamos, mas não sabemos se ele vai conseguir chegar lá... Vamos rezar, pedir a Deus para nos enviar ajuda... Todos de mãos dadas... Ele vai nos atender, somos seus filhos... E nós ali, no cinema, naquela aflição, que agonia, meu Deus! Uns encolhidos, outros chorando junto com as mulheres e as crianças da tela, uns no banheiro, uns de pé, gritando, pedindo a Deus e aos soldados da gloriosa cavalaria americana que chegassem, e que chegassem a tempo, os índios iam entrar, iam invadir o círculo de carroças, alguns já tentavam, felizmente eram abatidos, mas até quando iríamos resistir? Meu Deus, que horror, que pânico! Como nossos pais permitiam que seus filhos fossem ao cinema assistir isso? O nosso pai em casa dormindo ou no jogo do 14 de Julho ou do Gaúcho, ou com uma amante lá na zona, a mãe em casa limpando, varrendo, ou na casa da vizinha, tomando chimarrão, ou visitando parentes, e nós ali, crianças, gritando, sofrendo, os índios negros, vermelhos, marrons, atacando, os homens loiros resistindo heroicamente, as mulheres agarradas umas nas outras, protegendo seus filhinhos, dentro das carroças, e nós ali, indefesos, sem nosso pai, sem nossa mãe, que agonia! Como isso iria acabar? Será que, dessa vez, os malditos índios venceriam? Não, isso não, os bandidos não podem vencer! Quem sabe a cavalaria chega? Vamos rezar junto, pedir a Deus que salve seus filhos, o mal não pode vencer, os de cavalo preto não podem vencer os de cavalo branco, os de cabelo preto não podem vencer os loiros, todos juntos, vamos, pra frente, Brasil, de mãos dadas, um só coração! Não vai dar tempo... Eles estão invadindo... Alguns homens estão feridos, mortos só 2 ou 3, eles já morreram um monte, merecem, malvados, desalmados... Toma! Morre, desgraçado! Iúhúúú! Cuidado, atrás! Meu Deus, eles são muitos! Não poderemos resistir muito tempo... Ahhhh! Meu filho, nããããoooo! Desgraçado! Please, my God, in your name... Ali! Naquela carroça! Estamos perdidos! É o fim... E nós, no cinema, morrendo junto, sofrendo, amaldiçoando, rezando... Meu pai no futebol, ou dormindo em casa, ou na zona... Minha mãe varrendo a casa, ou tomando chimarrão na vizinha... E eu ali... Sofrendo... Não vai dar mais... A música mais trágica, mais fúnebre... Os homens feridos, sangrando, resistindo... As mulheres abraçadas, protegendo seus filhinhos... Nós ali no cinema, indefesos, sem pai nem mãe... Seremos todos mortos, mas antes, torturados, furarão nossos olhos, arrancarão nosso escalpo... Quem foi que inventou isso de arrancar o cabelo dos outros pra vender na Europa? Dizem que foi um homem branco... Não, não pode ser, isso não é coisa de pessoas civilizadas, tementes a Deus... E as mulheres? Vão ser estupradas... Vão rasgar seus vestidos brancos... Os meninos serão escravos desses selvagens... As meninas, sabe lá... Que horror! Por que esses índios tinham de morar nessas terras? E dizer que são deles? Parecem os palestinos, que só porque foram expulsos de sua terra, insistem em dizer que ela é deles e a querem de volta... Gente estraga-prazer! Branco não é assim, branco é loirinho, limpinho, anda em cavalo branco, tem música suave ao fundo... Os filhos do Deus verdadeiros não são marrons, não usam barba, não tem cabelos preto... E aqueles índios lá, atacando, querendo nos matar, gritando eles, gritando nós, na tela, no cinema, uma gritaria, uma matança, até parece na vida real... É o fim! Vamos todos morrer! Deus, por que me abandonaste? Deus, perdoai-os porque...

O que acontecerá com aqueles pobres homens, mulheres e crianças imaculadamente brancos nas mãos daqueles índios marrons, malditos?

Parte 2
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