Encontros e desencontros do Caminho - Capítulo 12 - 2a. parte
Autor Fernando Tibiriçá
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 2/18/2006 12:46:10 AM
Acordei, tomei o café e segui em frente. Céu sempre azul e aviões, todos os dias, riscando o horizonte, soltando fumaça, formando linhas retas e precisas. Não vi ou ouvi qualquer avião grande durante o caminho, só os pequenos atravessando o céu da Espanha. Me lembrei de que amanhã, 3 de outubro, seria dia de eleições no Brasil, prefeitos e vereadores. Não sabia como estava a briga nos últimos dias pela prefeitura de São Paulo. Estava falando pouco com o Brasil para ficar concentrado no caminho e na sua reta final. Eleições em São Paulo praticamente decidem o equilíbrio político em todo o país. São Paulo é o caminho.
Nos anos 40, 50 e 60, com a chegada de milhares de brasileiros vindos de outros estados, sem rumo, sem perspectivas, atraídos pelo alarmismo provocado por políticos populistas desqualificados sobre a fortuna que se poderia ganhar em São Paulo, a história da cidade mudou. Na verdade, os políticos não paulistas queriam sufocar o crescimento do poder político e econômico de São Paulo. Ao entupir a cidade de migrantes vindos de cidades mais pobres, os maus políticos trouxeram uma imensa mão de obra barata e não especializada, criando uma concorrência desleal para o mercado de trabalho. E empresários inescrupulosos se aproveitaram desses trabalhadores para aumentar seus lucros. Com isso, muitos paulistas, paulistanos principalmente, ficaram desempregados ou tiveram uma queda no padrão de vida, o que transformou radicalmente a rotina da cidade e seus moradores.
Nas décadas de 50, 60 e 70, era comum qualquer família ter empregados domésticos de origem estrangeira. São Paulo abria as portas e crescia numa atitude de Primeiro Mundo, mas seus problemas também eram de Primeiro Mundo. A inveja de políticos e empresários de outros estados, mais a decisiva ação de forças do governo federal tentando mudar a identidade dos paulistas, além da especulação financeira, que enriqueceu muita gente, acabou contribuindo para a diminuição do poder político de São Paulo.
A construção civil provocou uma convulsão na cidade e suas bases sociais. A especulação no mercado financeiro e a procura por moeda estrangeira fez o dinheiro mudar de mãos. Venceram a ganância e o caixa dois. Os militares não tinham interesse em mudar esta fórmula porque recebiam incentivos de maus empresários, permitiram o incentivo à corrupção no mercado empresarial. São Paulo não agüentou e o que se vê hoje é resultado deste processo de descaracterização provocado intencionalmente. Para aliviar a tensão, é certo que nas condições atuais São Paulo ficará fora de controle e, em conseqüência, todo o Brasil. Estará aberto um caminho para uma República Federativa totalmente autônoma. Depois disso, o desmembramento. A globalização vai forçar uma melhor distribuição de renda e bens de consumo e vários satélites ou países nascerão a partir desse movimento.
Nenhum governante conseguirá resolver esta situação. Por mais boa vontade que tenha, é muito complicado, mas é o caminho: creio que o dinheiro que São Paulo arrecada e é repassado para outros Estados e cidades deveria ficar no Estado para que os governantes o usassem para o benefícios dos seus cidadãos. E o governo federal deveria criar condições efetivas para que as cidades, as regiões menos favorecidas pudessem se auto-sustentar. O mundo atual não permite perda de tempo ou a ilusão de que algo irá mudar. É o processo seletivo, que vai acontecer com tudo e em todos nós.
É impossível sustentar 8.500.000 km2. Seria preciso ter capital e poder igual ao dos Estados Unidos. O que é impossível face aos desvios e desequilíbrios sociais, ao analfabetismo, à saúde precária e ao mal estar social, que estão longe de serem resolvidos. Dessa maneira, infelizmente, os desmembramentos fatalmente acontecerão.O caminho no caminho.
Nas décadas de 50 e 60, o rock´n´roll estourava. Little Richard, Elvis Presley e Bill Haley mais uma porção de outros cantores e cantoras movimentavam os bailinhos e festinhas. Era época do Hi-Fi e da Cuba Libre. Na rua Augusta, algumas boates agitavam as noites - Lancaster e Salon marcaram época. Um pouco depois, Raposa Vermelha, Dobrão e Hi-Fi. A paquera rolava na Augusta todos os sábados e domingos à tarde. Carros importados, lavados e encerados. Moçada nas calçadas. Hot-dog, hamburguer e sorvete, a doceira Yara. Gente bonita. Ruas e calçadas se confundiam.
Aos domingos, havia missas nas igrejas São Gabriel, Perpétuo Socorro, Brasil e São José. A pizza era no Paulino ou no Camelo. O Frevo servia os lanches. O melhor salão de chá era da família Fasano, no Conjunto Nacional. São Paulo já era puro charme.
Para os adolescentes, os principais clubes da cidade organizavam bailinhos e matinês. Tudo muito romântico, sem violência, os guardas noturnos conheciam os moradores pelos os nomes. A gente brincava na rua até 8h, 9h, às vezes, até 10h da noite sem problemas. Brincávamos e caçávamos onde hoje funciona o Shopping Iguatemi, nadávamos e jogávamos futebol no areião, onde hoje está o Shopping Eldorado, e até andar a cavalo andávamos, nas vizinhanças da praça Panamericana. Coisas de bairros ou cidades onde se tinha mais segurança e solidariedade. Tenho saudades desta São Paulo, que foi para outro caminho.
A ansiedade era muito grande. Finalmente, o caminho ia ficando com a cara do caminho que eu esperava: montanhas, pequenos rios, muitas árvores e pássaros. De Astorga para Rabanal del Camiño e dali para Molina Seca. Nesta etapa, o caminho definitivamente mudou de cara. Povoados ou aldeias, como Foncebadón, que quase foi extinto, não fosse uma mulher e seus filhos ficarem lá, dão um toque charmoso nesta área montanhosa.
A seguir, a imponente Cruz de Ferro e a sua capela, onde em todo dia 25 de Julho é realizada uma missa solene em homenagem a Santiago. Dali, a vista das montanhas, do verde era impressionante. Recados, pedidos, pedras e tudo o mais eram colocados no pedestal da cruz e na parte de sua estrutura de madeira – havia muita coisa do Brasil e de brasileiros. Estava a 1.504m de altitude. Capela e cruz com centenas de anos, um lugar místico para os peregrinos. A emoção era grande. A devoção também. Os peregrinos paravam, os turistas chegavam. A movimentação era constante. A partir da Cruz de Ferro e da vibração que ela proporcionava, comecei uma belíssima jornada.
Cheguei a Manjarin, onde há anos vivia apenas um homem. Diziam que teve problemas numa das pernas. Era peregrino. Improvisou um albergue e passou a viver ali sem ninguém. Logo à frente, o ponto mais alto do Caminho de Santiago, 1.540m de altitude, a vista era fantástica. Fotografei. Ao lado, uma base militar, que foi usada na guerra do Golfo (1991), desativada, mas ainda guardada com toda a infra-estrutura de alojamentos, cantinas e banheiros. Ouvi dizer que vão transformá-la em uma pousada para fins turísticos.
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