Encontros e desencontros do Caminho - Capítulo 15 - 1a. parte
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Autor Fernando Tibiriçá
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 18/02/2006 01:19:53
Capítulo 15
Na manhã seguinte, comecei a última etapa do caminho até Santiago de Compostela. Comecei em 02 de setembro, mais precisamente às 11h30 da manhã de 02 de setembro, uma quinta-feira. Acho que andei bem mais do que os 800 quilômetros do caminho, já que saí da estrada original por diversas vezes para conhecer monumentos, povoados e curiosidades.
Tudo levava a crer que eu completaria o caminho até o final do dia. Resultado parcial: pontos nos dois pés, duas unhas arrancadas do pé direito, tendinite na perna esquerda, inicio de inflamação nas veias das pernas e irritação na pele por causa do forte calor. Mas, eu estava deliciosamente bem. Cumpri o que podia cumprir, o que estava ao meu alcance. Estava feliz. Era a alegria do caminho.
Pela frente, apenas uma dezena de povoados e aldeias, com destaque para Lavacolla, que no Mundicamino, um guia que orienta os peregrinos, aparecia como Labacolla. Lá, fica o aeroporto que atende Santiago de Compostela e também um lugar onde as pessoas se lavavam para os últimos 10 quilômetros. Justamente no final do caminho, começou a fazer frio, a ventar e a garoar. Essa lavada, não sei não, pensei. Depois de um zigue zague do caminho e de um trecho à beira da carretera, cheguei à Monte do Gozo. Visitei a capela de San Marcos e fiz minhas últimas orações no caminho propriamente dito. Depois, assistiria a missa na catedral de Santiago.
Alguns iam direto para o albergue e deixavam para mais tarde ou para a manhã seguinte a chegada à Santiago. Eu pensava em ir hoje mesmo. Não conseguiria esperar: a inquietação, o incômodo nos pés, a tendinite me impeliam para a frente. E lá ia eu. Restavam apenas 5 quilômetros até chegar à catedral de Santiago de Compostela. Depois, eu veria onde descansar e o que fazer. Pensava em assistir no mínimo duas ou três missas, compraria várias recordações da catedral para dar à muitas pessoas queridas. Muitas delas estavam torcendo por mim há muitos anos. Eu queria levar algo que daria de coração, para que tivessem muita saúde mental, física, espiritual e emocional. Queria muito que as pessoas pudessem sentir a felicidade que estava sentindo. Elas também mereciam.
Quando enfim saí da capela de San Marcos, senti que os meus acompanhantes agora eram uma verdadeira legião. E essa legião me acompanharia durante muito tempo. Porque a vida é um eterno caminho.
Antes de prosseguir, me lembrando da ferrenha disciplina alemã, fiz alguns alongamentos para não me machucar ainda mais. Passos firmes, ladeira abaixo, avistei ao longe a periferia de Santiago. Tirei mais fotos do caminho, atravessei um viaduto com cara de ponte, com uma passarela de madeira para pedestres. Mais fotos ainda, desta vez, da placa que anunciava Santiago.
Não demorou muito, um homem e um menino se aproximaram. Não pareciam peregrinos, talvez moradores locais. O homem perguntou se eu gostaria que ele tirasse uma foto minha com a placa de Santiago atrás. Aceitei – era minha segunda foto em todo o caminho. Agradeci e ele me pediu um favor. Pensei que ele queria que eu fizesse o mesmo com ele e seu filho. Mas ele queria que eu tirasse uma foto com o filho dele. O garoto devia ter uns 12 anos. Ele ficou do meu lado, eu coloquei minha mão sobre o seu ombro, o garoto riu e o pai tirou a foto. Minha terceira foto no caminho. Eles agradeceram e se foram.
Fiquei parado por mais um momento. Senti que eu era verdadeiramente um peregrino. Estava impregnado na minha roupa, nos apetrechos, na mochila, no cajado, na minha cara. Eu já não conseguia me conter: os olhos se encharcavam, eu ria. As pessoas me cumprimentavam. Ali, eu era um peregrino solitário, uma espécie de personagem cumprindo o caminho que os outros só fazem em grupos. No final do caminho.
Por falar em personagem, em personalidade, muito à contragosto, no final da década de 60, costumavam me confundir com o cantor americano Tom Jones. Naquela época, Netinho, baterista do grupo Os Incríveis, se casou. A pedido dele e do empresário do grupo, eu tentava fazer algo para o grupo não acabar de vez. Envolvido com comunicação e música que era, talvez eu pudesse fazer alguma coisa. Na festa de casamento, em um buffet onde hoje funciona o Museu da Casa Brasileira, na avenida Faria Lima, muita gente, comida e bebida. Um festão.
No final da festa, a banda se posicionou para tocar. Netinho começou a agradecer a presença de todos e, nesse momento, vi que alguns amigos começaram a sutilmente me cercar. Senti que vinha uma fria pela frente. Discretamente, fui para o jardim do buffet, uma área imensa. Alguns dos amigos me seguiram Quando estava terminando seus agradecimentos, Netinho disse: “E, em especial, quero agradecer a presença do astro internacional Tom Jones, um amigo de longa data. Tom, por favor, suba aqui no palco”. A festa toda parou. Gente subindo nas cadeiras. Mulheres e meninas em cima das mesas se equilibrando em cima dos saltos altos.
Tom Jones era a estrela de um programa de televisão que fazia muito sucesso no Brasil, na TV Record, um dos primeiros musicais estrangeiros a passar na televisão brasileira. Ele apresentava e cantava, suas músicas eram um sucesso. E, nessa época, a Record explodia em audiência com Elis Regina, O Fino da Bossa, Família Trapo etc. Todo mundo assistia o programa de Tom Jones. Tudo bem, eu sabia que alguma semelhança havia, éramos parecidos. Só que eu o achava meio brega. Confesso que, nem por isso, deixei de transar com muitas mulheres por causa dele.
Meus amigos foram me levando para o palco na marra. O maior empurra – empurra. Subi, gritaria geral. Cheguei perto do Netinho, eu só ouvia baldes de gelo caindo, copos quebrando. A festa toda já estava em cima das mesas. Netinho conversou comigo rapidamente em inglês. Como àquela altura a luz era baixa, a enganação funcionou. Dei um abraço nele e fui embora. A banda começou a tocar. E eu aproveitei a deixa para cair fora. Anos depois, Netinho me contou que, no vídeo da festa, uns dos melhores momentos era justamente a minha participação como Tom Jones.
Em 1975, estive nos Estados Unidos comprando instrumentos musicais. Fiquei hospedado em um hotel descolado, Tom Jones ainda fazia um certo sucesso e continuavam a me confundir com ele. Um Cadillac branco da loja em que faria compras ficava à minha disposição. Eu compraria muito equipamento para o grupo O Som Nosso de Cada Dia. Fiquei na cidade durante quatro dias. Além do motorista, eu andava com uma intérprete equatoriana. Juntava uma moçada na porta para me ver chegar e para me ver sair. Como eu não circulava no hotel, ficou no ar a história de que Tom Jones estava em viajem sigilosa. Até o hotel faturou. Na loja, eu era esperado com coquetéis de vodca com abacaxi. Era o maior “H”. Valeu.
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