Encontros e desencontros do Caminho - Capítulo 3 - 2a. parte



Autor Fernando Tibiriçá
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 04/02/2006 20:04:09
Vi muitas igrejas ou pequenas capelas bem cuidadas. Não vi padres. Tudo ficava aberto. Sempre limpo. Todo mundo entrava e saía e nada de errado acontecia. Para mim, esse era o verdadeiro cristianismo; muito mais impactante do que os profetas das grandes igrejas ou dos programas de televisão. O caminho estava lá. Ninguém era doutrinado ou catequisado. Ninguém queria fugir de Deus. Cada pessoa na sua. E lá estava o caminho.
Recentemente, fui à igreja de São José, no Jardim Europa, bairro nobre e bonito de São Paulo. Era uma Sexta-feira Santa, vi a imagem do Cristo morto na frente do altar e, aos pés desta imagem, uma cesta com algumas notas de um real. Não acreditei. Já é estranho ver a imagem de Cristo morto quando ele vive intensamente nos nossos corações. Com cestinha de trocados aos pés, era o fim! Procurei um padre e nada. Dia seguinte, aleluia, voltei e achei um padre que disse não entender porque a cesta estava naquele lugar. Para ele, algum paroquiano deve tê-la colocado ali. Ora, se um padre depende de paroquianos que vão à missa com muito laquê nos cabelos e bigodes com as pontas levantadas para cima, como a igreja vai cumprir o seu papel? Paroquianos do Jardim Europa podem deixar notas de 50 ou 100 dólares! Porque apenas notas de um real? De qualquer modo, aquela cestinha deveria ficar em um lugar mais discreto, menos visível. Ou até não ter cestinha alguma.
O problema é que as pessoas acham que a contribuição mais as orações vão amenizar as loucuras que fazem, os desajustes que provocam, as ingratidões que cometem, a vaidade que praticam e, com isso, vão garantir seu lugar no céu. E não é só na igreja católica que isso acontece. Os evangélicos doam o dinheiro, mas dificilmente se doam. A maioria é preconceituosa e discriminatória, diferentemente do que pregam. E quem trabalha ganha, quem estuda vence, quem não bebe não vai ter problema de alcoolismo, quem não usa drogas não vai ser drogado. Não é preciso a igreja ou o templo para mostrar o óbvio, que Jesus e Deus tanto proclamam. O que acontece são negócios, concessões para veículos de comunicação, candidaturas políticas com muito dinheiro na roda. E o povo, na periferia, continua se batendo em nome de pregadores que viajam o mundo com dinheiro arrecadado graças a essa gente, que eles só vêem na hora das pregações e das promessas de melhoras.
Ainda este ano, um colunista de um grande jornal de São Paulo comentou que se as promessas de curas funcionassem, os deficientes auditivos que pagam sua contribuição, já estariam curados e a moça que gesticula a linguagem dos surdos, estaria desempregada. Nestes cultos as promessas só enriquecem a quem promete. Não há um pregador religioso esperto que não esteja rico, enquanto 90 a 95% dos seus ouvintes continua na mesma.
Jesus Cristo, venerado com autenticidade e respeito, mais a prática da solidariedade, da tolerância e da paciência, resolvem o problema de qualquer um. O povo confunde a ajuda religiosa com a auto-ajuda, que os fracos ou desconhecedores de seu potencial acham que tanto necessitam. E o que se vê é uma “auto-ajuda”. Religiosidade e espiritualidade você consegue sozinho, respeitando o próximo e, a partir disso, se respeitando. Ninguém tem que dizer o que você deve fazer. Você pode ser feliz e fazer bem feito por conta própria. Não fazer o bem e continuar sendo mandado é continuar infeliz e sem autonomia. O Deus de Jesus Cristo é o Deus misericordioso, bondoso, que auxilia, ajuda, enobrece e está presente a todo momento ao nosso lado. Antes de Jesus Cristo, Deus era o punidor, o castigador, o cobrador, o discriminador, aquele que pedia para garantir a entrada no céu. Algumas religiões ou segmentos continuam agindo dessa forma em seus cultos. Ainda querem forçar na mente das pessoas um Deus que quer ajustar as contas com todo mundo a cada instante. Não é nada disso. Deus está presente em tudo e em nós mesmos para mostrar o caminho.
Chegando a Larrasoaña vi duas casas aconchegantes, com placas discretas anunciando vagas para peregrinos. Fui a uma delas e encontrei um casal simpático, já idoso, que me disse que a casa já estava lotada. Mas me ofereceram um copo de água e uma cadeira. Viram que eu estava assado ou cozido, perto de uma desidratação e, no entanto, tranqüilo. Então, ligaram para um conhecido e conseguiram um lugar para me hospedar. O dono ainda iria me buscar. Pouco tempo depois, apareceu uma figuraça, que me cumprimentou com alegria, o que deixou o casal muito feliz por verem que eu estava encaminhado. Na realidade, no caminho.
Despedidas feitas, trocas de cartões e saudações cumpridas, fui para o carro do meu hospedeiro. Carro usado, guerreado e ele pedindo desculpas. Falei que, naquele momento, desde que o carro andasse e eu pudesse tomar um banho e descansar, não importava o ano ou o estado do automóvel. Ele sorriu e disse que tinha uma surpresa para mim. Outra vez, casas lindas, estradas perfeitas, bosques arborizados, não se via terrenos baldios ou abandonados. Eram plantações, frutas, animais super nutridos, gente de bicicletas incrementadas... E eu achava que ia encontrar velhinhas de filme mexicano, sem dentes, para entrevistar.
Passamos por dois franceses peregrinos, cabeludos, modernos, na deles, com pinta de hippies dos anos 60 e imaginei que, no Brasil, já teriam sido presos como suspeitos. Na realidade, eles estavam a caminho de Santiago de Compostela, um caminho trilhado por milhões e milhões de pessoas nos últimos séculos. Inimaginável, para preconceituosos e discriminadores que se passam por autoridades ou são autoritários e, muitas vezes, sequer se respeitam, que dois caras franceses cabeludos estivessem a caminho do Caminho. Preconceituosos que proibem seus filhos de curtirem a juventude e acabam fazendo seus lares desmoronar porque, eles, sim, são desajustados, e deixam seus filhos vivendo em condomínios fechados como se pudessem proteger esses adolescentes de todos os males, prazeres e pecados, sem notar que tudo isso, hoje em dia, se encontra na vizinhança, na escola, às vezes, até mesmo dentro desses condomínios, no apartamento ao lado.
Meu anfitrião se apresentou, conversamos. Eu disse que estava à procura de situações inusitadas no Caminho, falei da minha peregrinação religiosa, espiritual, que estava ficando política e social também. Para mim, a espiritualidade e a religiosidade se fazia só com o coração e a autenticidade. Minha cabeça fervilhava. Senti que estava vivendo a densidade dos primeiros 200 quilômetros. Imagine só o que teria pela frente, nos outros 600 quilômetros?
O carro parou e ali estava a minha surpresa. A figuraça sorria feliz. Eu estava em Akerreta, isolado do mundo, em um casarão basco de quase 400 anos, onde ia ficar hospedado. O único hospede. O lugar era recém-reformado e eu ia desfrutar do antigo e do novo naquela noite. Único hospede num lugar charmoso e enigmático. Um casal basco que refez o lugar e eu.
Leia os 18 Capítulos neste Site ou peça o livro completo via e-mail que o enviarei gratuitamente com prazer.
Texto revisado por Cris
Avaliação: 5 | Votos: 23




Pude informar e amenizar leitores que buscam o comentário preciso e um agrado para sua alma. Por isso sinto-me feliz... E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |