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Encontros e desencontros do Caminho - Capítulo 8 - 2a. parte

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Autor Fernando Tibiriçá

Assunto Autoconhecimento
Atualizado em 2/4/2006 8:31:23 PM


Ele falava num espanhol regional, praticamente um dialeto. A situação era inusitada. Eu e ele assistindo futebol, ele narrando e eu sem entender nada. Eu falava si ou no nas horas certas e assim fomos até o final do jogo.
Fui para o quarto e dormi o sono dos deuses sob proteção das freiras e de Deus.
Segui viagem, agora para Belorado. O caminho me trazia horizontes encantadores e um ar de chuva. O tempo fechou e esfriou, bem diferente do calor do início do caminho, quando o sol forte assava a todos. Dava para perceber que, ao longo dos anos, o caminho havia mudado de lugar. A gente via pedras com setas amarelas distantes da rota principal. Em alguns pontos, ainda pisava naquela terra amassada por milhões de pés que por ali passaram nas últimas centenas de anos: terra, cascalhos, pedras antigas, enfim, o verdadeiro caminho. Nos trechos recém-criados, a gente pisava em estradinhas de pó, terra batida e pedra ou pedregulho de agora. Estradinhas que a gente encontra em qualquer lugar. Será o caminho?
Por falar em caminho, setas e indicações, em 1975, eu tinha uma produtora e naquele ano realizamos a Banana Progressiva, um festival de música, no teatro da Fundação Getúlio Vargas. Reuni músicos de várias cidades do país, a maioria dos quais nunca tinha estado em São Paulo, como Lobão, Lulu Santos e Ritchie, que tocavam no Vímana, a turma do Veludo, Barca do Sol e outros. Eles não sabiam onde ficava a rua Augusta ou a avenida Paulista. No hall de entrada, havia uma exposição de artes plásticas com obras de vários novos artistas, dentre eles, Cláudio Tozzi.
Em 75, todos éramos muito jovens. O presidente de uma gravadora me procurou nos bastidores para saber se eu queria apresentar os Rolling Stones em São Paulo. Achei demais. Mas eles não vieram simplesmente porque sabiam que o Brasil, naquela época, era uma ditadura militar e eles, popstars, seriam muito visados. Ou seja, um flagrante por uso de droga era crime inafiançável. O risco não valia a pena. A ditadura instalada em 64 acabava de comemorar 11 anos no poder. A repressão era brava. Mas, em alguns casos, era melhor ter uma juventude alienada e/ou drogada, cabeluda e hippie do que ter jovens politizados.
Nos quatro dias que duraram a Banana Progressiva, na FGV, tínhamos do outro lado da Avenida 9 de Julho várias viaturas da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) da Polícia Militar e, na calçada em frente à porta do teatro, um grupo do Hare Krishna dançando e cantando. Do lado de dentro do teatro, cabeludos malucos, fãs do rock ´n‘roll brasileiro. Nesse festival, Hermeto Paschoal falou que eu deveria ser prefeito de São Paulo. Coisas do caminho.
Em Belorado, procurando um hotel, passei por uma ruela e vi uma discoteca chamada John Lennon, o nome estava escrito em néon azul. A discoteca ficava no térreo de um prédio com roupas penduradas nas janelas. Pela ruela, mal dava para passar um carro.
Em 1995, juntamente com meu filho Rodrigo, produzi e dirigi um especial de John Lennon para a Rede Bandeirantes. Procurei mostrar coisas de Lennon e dos Beatles e o que acontecia paralelamente na música, inclusive, sucessos de outros grupos e intérpretes. Ficou interessante, usei bandas cover dos Beatles e outros músicos apresentando sucessos da década de 60. O engraçado é que não podíamos usar por muito tempo as imagens dos Beatles porque a Rede Globo ia apresentar ou estava apresentando um especial do grupo e tinha os direitos de imagem naquela época. Até a música de abertura não podia caracterizar os Beatles. Acreditem, tive que usar um trecho de um solo instrumental de um disco de Tina Turner, que tinha à mão. Tivemos problemas para gravar, para editar. Mesmo assim, foi um sucesso. Era dezembro de 95, em mais um aniversário da morte de John Lennon, que estava no meu caminho.
Belorado é um povoado simpático, povo afável. Jantei onde todos os peregrinos foram jantar. Só eu brasileiro, mas a maioria me cumprimentava. Bem ou mal, íamos nos encontrando pelo caminho. Não gostei de ver a igreja de São Pedro fechada, em reforma, queria entrar. Rezei na porta. Um espetáculo das igrejas espanholas eram os ninhos de cegonhas nas torres. As pombas aproveitavam a carona e também usavam esses ninhos.
Minha partida foi às pressas. Estava atrasado em relação ao ritmo de um peregrino normal e adiantado em relação aos mais lentos. San Juan Ortega me esperava. Mas o caminho era longo e eu queria chegar a Burgos. Assim, passei voando por San Juan e dei uma parada em Agés. Estava indeciso com a rota, que não estava bem sinalizada. Um motorista, cujo caminhão estava quebrado, desceu e me indicou o caminho correto.
Um, dois, três e ambos perguntamos ao mesmo tempo se o outro era brasileiro. Não deu outra, o motorista era de Minas Gerais, há dez anos na Espanha. Ele ficou feliz ao encontrar um brasileiro e comentou, de uma maneira simples, que sempre via muita gente falando do caminho, mas que não sabia exatamente o que era esse caminho. Falei que estava lá por motivos espirituais, já que Tiago (Santiago) era apóstolo de Jesus Cristo (ele foi decapitado 44 anos após a morte de Cristo) e porque ele tinha evangelizado justamente o que havia se tornado a Espanha. Foi ele, afinal, um dos que levou a palavra de Cristo para o Ocidente. Eu estava indo à sua catedral, onde seu corpo se encontra até hoje.
O motorista ficou emocionado ao saber para onde ia tanta gente que ele via, muitas vezes, cambaleando e falou da necessidade que sentia em ter uma aproximação maior com a espiritualidade. Eu disse que, ao acordar e ao ir dormir, ele já se encontrava no caminho. E sugeri que ele fizesse uns 10 ou 20 quilômetros do caminho para que sentisse o mesmo prazer de todas aquelas pessoas.
Quando chegou o carro socorro para atender o caminhão, nos despedimos com muito prazer. Depois de um tempo, ele passou por mim rapidamente, buzinou e gritou: “Bom caminho”. Eu estava sozinho na estrada, alguém passou e disse bom caminho em bom português brasileiro... Fui que fui. Bon camino era o que a gente mais ouvia das pessoas. Ultréia também era dito. Ultréia quer dizer “Ânimo até lá”. Ou: “Vá, chegue lá”. Ou ainda: “Força, você vai chegar”. Fiquei feliz.
Segui firme, cruzei com outros peregrinos, a maioria alemães. Nisso, lá longe, vi uma mulher gesticulando, vindo em nossa direção. Olhei atentamente e não vi nada errado. De repente, a mulher se vira e começa a andar acelerado: era uma moradora de Atapuerca fazendo ginástica no caminho.
Essa mulher gesticulando me lembrou uma estrada de ligação para Bauru, por onde passei em 1983. Chovia, estrada escura, era noite. No carro, eu, minha segunda mulher e um casal de cães São Bernardo, a fêmea, pelo curto, o macho, pelo longo. Para se obter uma boa ninhada e um bom exemplar de São Bernardo, é sempre bom acasalar um exemplar pelo curto com outro pelo longo.
Na estrada, a chuva não parava. E eu, na direção de uma Caravan. Um perigo. De repente, uma viatura da polícia rodoviária de sirene ligada, luzes acesas e tudo mais, vinha na outra mão com o policial, vidro aberto, acenando para pararmos ou diminuirmos a velocidade. Atrás da viatura vinham outros carros piscando os faróis. E a chuva não parava. Quando voltei a atenção para a estrada, vi um grupo de cavalos vindo para cima do carro.
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