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Encontros e desencontros do Caminho - Capítulo 9 - 3a. parte

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Autor Fernando Tibiriçá

Assunto Autoconhecimento
Atualizado em 2/4/2006 8:36:47 PM


A visão de uma cidade como Burgos, mais o horizonte, o campo e o sol, era realmente algo deslumbrante.
Próximo do castelo, havia o mirador, um ponto turístico. Toda a borda da mureta do mirante era trabalhada em bronze com desenhos da cidade de Burgos. Na verdade, com desenhos dos lugares para os quais você estava olhando. Uma beleza indescritível. Era o caminho ensinando.
Voltando para o hotel, vi uma multidão em frente à catedral. Havia música. Me aproximei e vi saltimbancos fazendo um show de acrobacias, humor, circo e romance. O povo aplaudia. Mais adiante, num calçadão, vi centenas de crianças gritando e rindo com dois ou três comediantes e palhaços num espetáculo gratuito e extremamente bonito. Também estive na igreja de San Nicolas, logo atrás da catedral. Essa igreja foi construída de tal modo que o enorme altar havia sido esculpido direto em uma imensa pedra que ali existia. Não bastasse, ele era todo trabalhado com dezenas de esculturas e imagens de santos e anjos.
Chegando ao hotel, uma outra manifestação. Agora eram os ecologistas colhendo assinaturas contra o desmatamento no Castillo de Burgos. Tudo num espaço de poucas horas. Não queria perder o ritmo do caminho. Burgos merece uma curtição, era o lúdico do caminho, merecia uma visita de dias, não de horas.
Eu estava me preparando para a etapa seguinte, que seria um desafio: ir de Burgos até Castrojeriz. No caminho, havia um povoado chamado Hornillos del Camiño, mas eu sabia que ali não encontraria hospedagem. De Burgos a Castrojeriz, seria uma levada de quase 40 quilômetros non stop.
Dia quente. Queria seguir o caminho por outro lado, então, fui até a estação rodoviária para pegar um ônibus, que me deixaria em um trecho do caminho e, então, eu seguiria pelos povoados de Lãs Quintanillas, Villanueva de Arvan e Isar e proximidades. Saí um pouco do caminho, como fiz outras vezes, também para sentir o morador local. Na rodoviária de Burgos, vi o trajeto. Ia andar a mesma coisa ou um pouco mais. Mas, tudo bem. Contava com um jeitinho para dormir em Hornillos ou em alguma aldeia, antes de Castrojeriz.
Na estação, uma hora e meia de espera. Um calor insuportável na rua. Como a estação tinha uma ótima sombra, fiquei por ali. Vi os tipos mais variados. Comportamentos diferentes. Vi poucos deficientes, mas a quantidade de gente andando miudinho, com bengalas, mostrava que havia mesmo, em algumas regiões da Espanha, um real problema ósseo entre a população com mais de 45 anos. Miudinho, mas procurando o caminho.
A deficiência física me lembrou da década de 60, antes do meu acidente de carro. Fui voluntário na AACD (Associação de Assistência à Criança Defeituosa). Era assistente do professor de natação. A AACD tinha poucos recursos e estava sendo montada pelo seu idealizador, dr. Renato Bonfim. Na recreação, dei aulas de basquete em cadeiras de rodas e, com o professor Salvador, formamos um time de pólo aquático. O goleiro só defendia com a cabeça, ele tinha limitações nos braços. Hoje, dirige uma associação de pintores, que pintam usando as bocas e os pés.
O período em que estive lá não foi longo, talvez uns dois anos. Eu era jovem e idealista. Com o Salvador eu iria para a China, tínhamos sonhos aventureiros. As crianças carregavam os mais variados problemas, estávamos na década de 60, portanto, longe da tecnologia de hoje. Muitas delas tinham pouca chance de vida. Outras, alguma esperança. Foram muitas as vezes em que o Salvador não pôde ir e eu ficava só com 30 ou 40 crianças com diferentes problemas.
Eu entrava na piscina coberta, aquecida. Uma porta se abria e as crianças eram trazidas por enfermeiras e enfermeiros e colocadas na água. As enfermeiras e os enfermeiros iam embora e eu ficava só com todas aquelas crianças numa piscina de um metro de profundidade. Na parte mais funda, talvez um metro e meio. As crianças me chamavam de tio, elas ficavam na borda. Eu gostava e elas também. Todas queriam brincar, fazer exercícios e ter atenção. Todas esperavam uma recuperação, uma melhora e o meu coração doía porque o caminho não mostrava isso. Tempos depois, sofri o acidente de carro e soube me portar com dignidade na recuperação. Dignidade que, ingenuamente, aquelas crianças tinham me ensinado. Aquilo era o caminho.
Cada noite, um quarto. Cada quarto, uma cama. Cada cama, um hotel, uma pousada ou pensão, o que fosse. Noites e noites em atmosferas diferentes, banheiro próprio ou coletivo, novas recepcionistas, novos donos, novas decorações e novos lugares. O caminho era o caminho que descansava, que comia, que bebia e que dormia.
Cada vez mais aumentava o número de hostais, pensões, pousadas e hotéis no caminho. Lojas eram criadas, bares eram montados, restaurantes e tudo o mais. O caminho estava atingindo seu ponto máximo mercadológico. Marketing ostensivo e merchandising escancarado em painéis, bicicletas, camisetas, displays, outdoors etc. O caminho estava garantindo a sobrevivência de muita gente e de suas famílias também. Mas ainda é o caminho. As transformações iam acontecendo em diversos lugares. Pontos micados, ruas desprezadas e regiões condenadas, meses ou anos depois, se tornavam lugares de sucesso. Eram as artes do caminho.
Em 1983, eu estava começando a ficar desmotivado com o Victória Club. Muita agitação desde dezembro de 1978 e, agora, eu queria algo novo. Anísio Campos, ex-piloto de automobilismo, chefe da equipe Hollywood e criador dos carros da Dacon e da sua loja, comentou comigo sobre o último andar do edifício Dacon. Exatamente no 22o andar, acima, só o heliponto. E ele me disse que eu poderia montar algo no lugar, uma vez que o dono estava disposto a alugar o andar todo.
Naquela época, o edifício Dacon era visto como um grande mico. Dos 22 andares, em setembro de 1983, apenas cinco ou seis, no máximo, estavam ocupados. Havia dezenas de ações de outros proprietários contra o dono porque, entre outras coisas, o acabamento prometido não tinha sido cumprido. Quando chovia, o prédio alagava. De qualquer modo, as ações eram muitas e o dono e sua empresa iam perder as ações.
Topei ver o lugar. Todo o entulho do prédio estava lá. Com uma caneta com ponta porosa na mão, fui dando uma volta pelo andar, redondo, que tinha uma linda vista em 360 graus da cidade, as paredes eram todas envidraçadas. Sentava no caixote, imaginava e bolava no que poderia transformar tudo aquilo. Depois, escrevia nos vidros explicando o que ia acontecer em cada lugar ou espaço. Em junho de 1984, nascia o Roof, que funcionou ali até 1990. Último andar do edifício Dacon. Filas na avenida Cidade Jardim. Elevadores subindo e descendo sem parar. O Roof chegou a receber mais de mil pessoas em muitas noites. A ambientação era em cima de Miró e Gaudi.
A casa foi o primeiro lugar em São Paulo a apresentar karaokê fora da Liberdade, que é o bairro japonês da cidade, e um dos primeiros a ter comida japonesa nos Jardins. O Roof foi local de várias reuniões do Rally Paris-Dakar com Thierry Sabine, um dos criadores da competição, presente. Ele morreu anos depois num acidente de helicóptero no deserto do Saara, durante uma das provas. Ali, houve grandes desfiles de moda, um jantar especial para Henry Kissinger, na época, secretário de estado do governo americano.
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