Encontros e desencontros do Caminho - Final do Capítulo 11
Autor Fernando Tibiriçá
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 2/4/2006 8:45:38 PM
Notei ao longe uma igreja que me encantou. A sua porta estava encoberta por uma estátua da praça.
Paguei a conta e, ao me levantar, vi que a igreja estava aberta. Me informei e fiquei sabendo que a igreja havia sido levantada sobre um templo do século IX dedicado a São João Batista. Outra vez, Xangô presente. A igreja é linda, uma cerimônia ali estava terminando. Do lado de fora, vi um homem encostado na parede da igreja, sentado, que tinha acabado de fazer sua refeição. Quando me aproximei da igreja, procurei por ele, mas não o encontrei. Fotógrafos se aglomeravam do lado de fora e só então me dei conta da grandiosidade da igreja e do que deve ter sido a cerimônia que tinha acontecido ali. Só pude rezar rapidamente dentro da igreja. Ao sair, encostei as mãos nas paredes e portas. E elas começaram a falar, contar e a vibrar. Olhei para o céu e tinha uma lua cheia magnífica. Estava radiante e comecei a cantarolar, tentando extravasar minhas emoções, dei uns passos curtos de dança como um forró. Me lembrei de 1986, da igreja de São João Batista na avenida Celso Garcia e meu caminho.
Neste ano, eu e mais três amigos montamos um forró na avenida Celso Garcia, bem em frente à igreja de São João Batista. Eu já era fã de São João Batista e, por isso, o nosso forró frequentemente recolhia doações para a igreja. Era tudo de bom. Nessa época, eu também tinha o Roof. Nos primeiros dias, colocamos ônibus ou micro ônibus para que as pessoas fossem da avenida Cidade Jardim com a Faria Lima para o Brás, na Celso Garcia. Elas atravessavam a cidade na madrugada de São Paulo. A pista de dança foi desenvolvida para 400 casais, havia camarotes, pinturas e grafites do grafiteiro e artista plástico Alex Vallauri nas paredes.
Na inauguração e no primeiro fim de semana, tivemos um show com o Amado Batista, que era um Deus para o povo do forró. E eu era o apresentador das noites ali, em cima de um palco de 20 metros de frente e oito de fundo. Quando terminava a apresentação dele, os seguranças tinham que levá-lo até seu carro, senão, ele ficava pelado. Era um sucesso, mas quase quebramos.
Surgiu um dos planos de congelamento de preços, as bebidas ficaram tabeladas e extremamente baratas. Qualquer um podia entrar e beber até cair. Acreditem ou não, apareceu uma família de bolivianos, que comprou o negócio, passaram a morar no lugar e, juntos, a tocar a coisa. Ficamos livres de um abacaxi. Na realidade, o Brás romântico já não existia mais. Fizemos o lugar pensando neste público formado por famílias de nordestinos bem sucedidos, mas a verdade é que os freqüentadores eram putas, assaltantes, cafetões e só baixaria. Tínhamos uma equipe de segurança, Fonseca´s Gang, famosa, com mais de 50 homens.
Nesse período, houve um show com o B.B. King, genial guitarrista, cantor e compositor de blues, um papa das últimas décadas. A apresentação foi no Palace. Comprei mesa para todos os dias. Impressionante a performance dele. Em uma das noite, uma corda da guitarra arrebentou e ele continuou cantando e tocando enquanto trocava a corda e a afinanava. Genial.
Terminado o show, no primeiro dia, João Pequeno, do Fonseca´s Gang, me levou ao camarim do B. B. King, lotado de jornalistas, curiosos e bicões. Ele estava sentado descansando e enxugando o rosto com uma toalha, completamente desligado do agito ali. Quando me aproximei, para minha surpresa e de todos os presentes, ele se levantou e me deu um caloroso abraço. Trocamos algumas palavras e acabei ganhando uma palheta que ele havia usado no show para tocar sua guitarra. Chamou um fotógrafo e pediu uma foto minha com ele. Nos despedimos. Voltei para a mesa totalmente extasiado com o acontecimento.
Saí da igreja com a barriga cheia com a pizza e o coração feliz com as orações. Fui caminhando até o hostal. Vi uma loja aberta e entrei para comprar água. Tocava um rock muito legal. Enquanto via outras coisas para levar, fiquei escutando a música. Era o grupo espanhol Seguridad Social com o seu CD Fúria Latina. O dono da loja ficou contente quando elogiei a música, mas o fato é que o CD era bom mesmo. Sucesso garantido na Espanha. Comprei uns Menthos e fiquei com saudades do Digo e da Jack, meu filho e sua namorada, meus companheiros de DVD e Menthos.
Antes de dormir, resolvi traçar o esquema das próximas etapas. As últimas foram árduas e cansativas, sem vegetação, sombra e solo árido, campos enormes, sem nada plantado, muito sol e calor. Foram muitos quilômetros a pé com uma mochila de 10kg nas costas. Não era mole. E ainda tinha muito chão pela frente. Chão mesmo. Muita gente fazia o caminho de bicicleta, carro, van, ônibus e trem. No chão, a coisa era outra. Eu queria chegar logo às matas, montanhas, rios, trilhas e sombras, o que certamente aliviaria o caminho. Mas não sabia quando isso aconteceria. Talvez depois de Rabanal del Camiño.
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