Encontros e desencontros do Caminho - Final do Capítulo 16 e Capítulo 17 - 1a. parte
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Autor Fernando Tibiriçá
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 2/18/2006 1:24:08 AM
Falavam que não queriam exatamente a independência, mas uma autonomia extremamente independente.
Vi um programa que satirizava os peregrinos. A peregrinação era debochada por personagens e pelo apresentador. Não gostei. Em seguida, o noticiário mostrava os estragos da chuva e do vento. Comecei a achar que a visita a Fisterra ficaria para a próxima vez. Jogo entre Espanha e Bélgica. Assisti para me distrair, 2x0 para a Espanha, jogo horroroso. Qualquer time do Brasileirão daria de três ou quatro nas duas seleções. Vi também um tape de Argentina e Uruguai, a Argentina marcou um gol. Anunciaram um tape de Brasil e Venezuela. Ainda tinha muito jogo da Argentina contra o Uruguai. Achei melhor dormir. Era o caminho.
Capítulo 17
Acordei cheio de graça. O tempo estava ruim, furou a visita a Fisterra. Achei melhor aproveitar o tempo e ir buscar minha Compostela e visitar a parte velha da cidade. Enquanto me arrumava, tentava conseguir alguma notícia sobre o Campeonato Mundial de Fórmula-1 e sobre o Campeonato Mundial de Motociclismo. Mas acabei me deparando com a atriz Camila Pitanga falando sobre o Brasil e as nossas diferenças sociais. Também havia pessoas simples na matéria, todos se queixando dos problemas brasileiros. Dias antes, tinha visto um documentário sobre o filme O Diário da Motocicleta, o diretor Walter Salles comentava sobre a barbaridade provocada pelos governantes, que incentivaram a ida da população para grandes centros urbanos, o que acabou provocando o aumento da desigualdade e da criminalidade. No programa com a Camila Pitanga, eles entrevistaram o presidente Lula falando que até agora o governo dele não pôde fazer muita coisa e talvez não faça nada do que prometeu em sua campanha. Já falei sobre isso. A situação continua difícil no Brasil.
A Amazônia está ao alcance de forças e interesses estrangeiros. Cedo ou tarde, milhares de soldados de outros países ou terceirizados estarão ocupando toda a Amazônia sul-americana para obterem e retirarem todos os recursos da região. Gente que grilou terras, fajutou escrituras, comprou de terceiros mal intencionados vai pedir ajuda ao governo e às Forças Armadas.
Eu e qualquer brasileiro que queira ir à Amazônia paga passagem, hospedagem, tem que mostrar documentos, tomar vacinas e ficar ali por um tempo meio limitado porque em certas áreas a circulação é controlada. Nesta confusão, não entro, não. Há ONGS passeando e orientando os brasileiros da Amazônia, proprietários ou invasores de terras públicas negociando riquezas com o exterior, índios falando outros idiomas e desinteressados em aprender o português, jovens filhas do interior do Brasil se prostituindo, contrabandistas e traficantes mandando e desmandando e políticos corruptos atuando ainda como coronéis. Não vou guerrear por nada e nem por ninguém. Nada é meu. Quase nada é do brasileiro ou é do Brasil. Prefiro seguir o meu caminho.
Acabei indo para a Oficina dos Peregrinos pegar a minha Compostela, o diploma que comprova que a peregrinação foi feita. Era domingo, dia 10 de Outubro de 2004. Enquanto aguardava o preenchimento todo, fui perguntando coisas para o atendente. Ele disse que havia pessoas não cristãs fazendo o caminho, alguns judeus, outro tanto de muçulmanos e muitos japoneses. Em 2004, o caminho recebeu mais de 200 mil pessoas e, nos últimos dois anos, o número de brasileiros diminuiu bastante.
Em agosto de 2004, eram cerca de 2.500 pessoas em média por dia solicitando a Compostela. Muitos espanhóis, alemães, franceses, belgas e holandeses têm estado no caminho. Jovens americanos que estudam na Europa também e todos chegam felizes até Santiago de Compostela e na Oficina dos Peregrinos. A Oficina é responsabilidade da catedral de Santiago de Compostela e ali se encontram dados e histórias do caminho. Somente a Oficina, localizada a poucos metros da catedral, pode dar a Compostela.
Enquanto eu estava lá, o atendente providenciava 13 novas Compostelas. A minha era a número 13, as 12 outras eram de pessoas que vinham da Espanha, França, Suíça, Noruéga e Estados Unidos. Eu era o único brasileiro. Quando a recebi, agradeci, pedi para tirar umas fotos, tirei e fui embora.
Na rua, encontrei um espanhol que havia bronqueado por eu ter repetido, na hora do questionário na Oficina, que eu havia feito o caminho sozinho. Havia feito uma piadinha e depois se calou. Na verdade, ele estava puto porque carregava uma tropa. E eu continuo achando que o verdadeiro caminho se faz sozinho. Dei uma encarada nele mesmo sabendo que poderia ser conduzido ao aeroporto e despachado para o Brasil. Mas ele não me encarou e foi embora. Realmente, na hora de se saber como o caminho foi feito, o pessoal da Oficina faz perguntas, eles querem saber como foi o percurso etc.
Fui visitar a parte velha da cidade e toda a sua riqueza cultural. Comecei a escutar uma guitarra tocando bossa nova e fui ao encontro da música: um guitarrista mascarado tocava um som perfeito, redondo. Ele se apresentava como jazzman, o chapéu no chão para colher moedas. A cada uma que caia, ele dava um toque na guitarra registrando a queda da moeda no chapéu, como que agradecendo. E continuava tocando, sem falar com ninguém, só no som.
Caminhando, fui parar na catedral. Mais fotos. A fila para abraçar a imagem do santo e visitar a sua tumba continuava enorme. O sol ameaçava sair, eram 3 da tarde, mas já não havia tempo para ir a Fisterra. Fiquei circulando pela catedral, vi que as fotos que deixei ainda estavam no lugar. E rezei na capela do Cristo Sacramentado. Um alívio. Agradeci a Jesus Cristo pelo carinho e respeito, que tem por todos nós, e por sua rebeldia, por contestar a ostentação.
Fui embora, mas, antes, aproveitei para abraçar Santiago, que está na coluna logo após a porta de entrada. Você o abraça através de buracos feitos na pedra, coloca os dedos da mão direita na coluna e toca com a sua cabeça na cabeça do santo. Depois de cumprir esta formalidade, me despedi da catedral. Estava irritado com o clima de feira e desrespeito de uma parte do público, que confundia religiosidade com turismo. Fui embora sabendo que o olho majestoso pintado no ponto mais alto do teto da catedral era o olho de Deus. E Ele sabe o que faz.
Chegando ao hotel, fui passear pelo shopping onde ele estava localizado. Tirei fotos do Menu de Peregrinos do MC Donald´s e de um boneco chamado Santiagus (um ogre). Esse boneco é uma brincadeira que ironiza os peregrinos: você pode comprá-lo em diversas situações que normalmente um peregrino não se encontraria. No shopping, vi muita gente com cara de jubilado, como eles chamavam o aposentado na Espanha. Na catedral de Santiago de Compostela era um festival, gente com saúde e já aposentada. Uns merecem, outros não. Depende do caminho.
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