INVEJA: uma maçã estragada
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Autor Hellen Katiuscia de Sá
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 5/12/2005 2:56:43 PM
Tome cuidado quando alguém lhe elogia e, logo em seguida, serpenteia palavras de injúrias às suas costas! Por aqui, segundo crenças populares, esse mal é combatido com um raminho de arruda no bolso. Ufa! E deixar seu nenê ser visto pelos olhos do ser invejoso? Nem pensar! O bichinho pode até “murchar” que nem a pimenteira que você tem no quintal de sua casa.
Muitos são os folclores que envolvem o tema mas, estudos de psicologia demonstram que esse sentimento sempre existiu, desde os primeiros tempos da humanidade. O exemplo mais clássico é observado na Bíblia, livro sagrado da igreja Católica Apostólica Romana, nos conflitos vividos pelos irmãos Caim e Abel, resultando num trágico desfecho.
Inveja: “desejo de possuir o bem de outrem; pesar ou desgosto ante o bem estar alheio; ciúme, cobiça”. Dicionário Aurélio. Falar é fácil; definir é fácil; assumir a inveja, jamais! Esta é a postura de uma pessoa em presença de seu próprio desvio de caráter.
Para os psicólogos existem dois tipos de inveja: a cotidiana e a patológica. A primeira refere-se àquela invejinha do dia-a-dia. A bolsa da amiga que é mais bonita que a sua, o relógio do irmão que é mais caro que o seu, enfim, invejinha sem danos reais.
A cobiça considerada patológica é aquela onde a pessoa fixa-se no outro e todos os seus esforços se convergem em adquirir tudo o que ela tem. Ainda assim, ao possuir tudo de material (imitando o ser invejado), o sujeito ainda não está satisfeito. Quer ser aquela pessoa. Pois, no fundo, ele encobre seu real desejo secreto que é roubar o mérito que o outro obteve à força de seu próprio valor. Um exemplo básico é a personagem “Laura” da novela global “Celebridade”.
Nutrir esse sentimento faz com que as pessoas deixem passar as oportunidades para seu próprio sucesso e crescimento particular. O indivíduo tomado pela cobiça anula-se por completo. Seus sonhos e ansiedades, não são seus, mas do objeto cobiçado. A inveja é a causa principal dos fracassos das pessoas que a cultivam.
Quando não conseguem “ser e agir” como o outro, começa o estágio de desdém ao objeto desejado. Pobre daquele que sofre o olho gordo alheio! Começam as fofocas, intrigas, boicotes, desqualificações das qualidades e tudo o mais para eliminar do mapa aquele que lhe causa a inveja. Porque, agora, ele (o invejado) é quem é o culpado do insucesso do invejoso.
Quem não conhece a fábula “A Raposa e as Uvas” de Jean de La Fontaine, onde a raposa faminta não consegue apanhar as uvas maduras? Desdenha delas, dizendo: “Estão verdes essas uvas. Verdes não servem pra nada!” A moral é, justamente, o desdém da pessoa por não alcançar seu objetivo desqualificando o que desejava.
É assim que age uma pessoa tomada por esse sentimento. Não podendo ter o “ser e agir” alheio, trava uma luta devastadora dentro de si, buscando caluniar aquilo que ele próprio não consegue ter. Desse modo, a inveja é a única emoção que se nutre de sua própria ocultação. Assumir, jamais! O culpado é sempre o outro. Os invejosos nunca consideram que são eles próprios as alavancas para seus infortúnios. Em sua mente, o seu insucesso é sempre resultado de fatores externos.
Otto Maria Carpeaux (1900-1978), articulista e jornalista (dentre outras coisas), em seu ensaio “A Cinza do Purgatório” (1943), parafraseia sobre o sentimento da inveja. Segundo sua ótica, a inveja vem tomando outros rumos dentro do imaginário social. Ele detecta isso no episódio histórico da Revolução Francesa. Carpeaux acha que não foi o ideal libertário que motivou os líderes intelectuais do movimento a insuflar o povo contra os nobres no poder mas, sim, seus desejos secretos de vingança (inveja) contra os nobres.
Os "proletários do espírito" ressentiam-se da melhor situação “cultural” e “material” dos aristocratas, pois os nobres não viam o conhecimento plebeu como erudito. Em represália, houve a sanguinária Queda da Bastilha que todos nós conhecemos. Para Carpeaux, vestiu-se a causa cidadã, na revolução, para ocultar as segundas intenções dos ativistas. Ele afirma que por trás da inveja vulgar há sempre inveja espiritual.
Em tempos atuais, a cobiça vem tendo outra conotação. Por mais difícil que seja, a maioria das pessoas pode chegar às conquistas materiais e conseguir o “status” almejado. Porém, as qualidades morais e espirituais (inteligência, simpatia, etc), não podem ser copiadas. Esse é o mal que assola a sociedade moderna: a não democratização do gênio.
Como vivemos numa sociedade baseada na comparação e na (auto)aceitação, a partir do momento que o sujeito adquire cultura e não consegue realizar-se dentro do que lhe foi proposto, há a frustração e a comparação com os demais que despontaram o talento à sua frente. Esse fator desemboca num sentimento de revolta e de inveja no íntimo do indivíduo.
Essa revolta, porém, pode ser benéfica se o sujeito olhar pra si e buscar melhorar no que lhe foi proposto enquanto objetivo de vida. É sabido que a inveja, direcionada para uma auto-avaliação, serve como ferramenta de burilamento do ser humano. Então, ao invés de olharmos para o que “o outro” tem, que tal olharmos para o que podemos conseguir por nós mesmos? Esse é o tipo de pensamento construtivo de que a sociedade moderna está carente e deve adquirir.
Hellen Katiuscia de Sá
24 de setembro de 2004
Texto revisado por Cris
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