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Isso que é Humildade...

Atualizado dia 10/4/2007 5:21:03 PM em Autoconhecimento
por Sueli Mendes de Noronha


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Certa vez, trabalhei em uma pequena empresa de engenharia. Foi lá que conheci um rapaz chamado Mauro. Ele era grandalhão e gostava de fazer brincadeiras com os outros, sempre pregando pequenas peças.

Havia também o Ernani, que era um pouco mais velho que o resto do grupo. Sempre quieto, inofensivo, à parte, Ernani costumava comer o seu lanche sozinho, num canto da sala. Ele não participava das brincadeiras que fazíamos após o almoço, sendo que, ao terminar a refeição, sempre sentava sozinho debaixo da árvore mais distante. Devido a esse seu comportamento, Ernani era o alvo natural das brincadeiras e piadas do grupo. Ora ele encontrava um sapo na marmita, ora um rato morto em seu chapéu. E o que achávamos mais incrível é que ele sempre aceitava aquilo sem ficar bravo.

Em um feriado prolongado, Mauro resolveu ir pescar no Pantanal. Antes, nos prometeu que, se conseguisse sucesso, iria dar um pouco do resultado da pesca para cada um de nós. No seu retorno, ficamos todos muito animados quando vimos que ele havia pescado alguns dourados enormes. Mauro, entretanto, levou-nos para um canto e nos disse que tinha preparado uma boa peça para aplicar no Ernani. Mauro dividira os dourados, fazendo pacotes com uma boa porção para cada um de nós. Mas, a peça programada era que ele havia separado os restos dos peixes num pacote maior, à parte.

- Vai ser muito engraçado quando o Ernani desembrulhar esse presente e encontrar espinhas, peles e vísceras!, disse-nos Mauro, que já estava se divertindo com aquilo.
Mauro, então, distribuiu os pacotes no horário do almoço. Cada um de nós, que ia abrindo o seu pacote contendo uma bela porção de peixe, então dizia:
- Obrigado!

Mas o maior pacote de todos, ele deixou por último. Era para o Ernani. Todos nós já estávamos quase explodindo de vontade de rir, sendo que Mauro exibia um ar especial, de grande satisfação. Como sempre, Ernani estava sentado sozinho, no lado mais afastado da grande mesa. Mauro, então, levou o pacote para perto dele e todos ficamos na expectativa do que estava para acontecer.

Ernani não era o tipo de muitas palavras. Ele falava tão pouco que, muitas vezes, nem se percebia que ele estava por perto. Em três anos, provavelmente não tinha dito nem cem palavras ao todo. Por isso, o que aconteceu a seguir nos pegou de surpresa. Ele pegou o pacote firmemente nas mãos e o levantou devagar, com um grande sorriso no rosto. Foi, então, que notamos que seus olhos estavam brilhando. Por alguns momentos, o seu pomo de Adão se moveu para cima e para baixo, até ele conseguir controlar sua emoção.
- Eu sabia que você não ia se esquecer de mim, disse com a voz embargada.
- Eu sabia, você é grandalhão e gosta de fazer brincadeiras, mas sempre soube que você tem um bom coração. Ele engoliu em seco novamente, e continuou falando, dessa vez para todos nós:
- Eu sei que não tenho sido muito participativo com vocês, mas nunca foi por má intenção. Sabem... Eu tenho cinco filhos em casa, e uma esposa inválida, que há quatro anos está presa na cama. E estou ciente de que ela nunca mais vai melhorar. Às vezes, quando ela passa mal, eu tenho que ficar a noite inteira acordado, cuidando dela. E a maior parte do meu salário tem sido para os seus médicos e os remédios. As crianças fazem o que podem para ajudar, mas tem sido difícil colocar comida para todos na mesa. Vocês talvez achem esquisito que eu vá comer o meu almoço sozinho, num canto... Bem, é que eu fico meio envergonhado, porque na maioria das vezes eu não tenho nada para pôr no meu sanduíche. Ou, como hoje, eu tinha somente uma batata na minha marmita. Mas eu quero que saibam que essa porção de peixe representa, realmente, muito para mim. Provavelmente muito mais do que para qualquer um de vocês, porque hoje à noite os meus filhos..., ele limpou as lágrimas dos olhos com as costas das mãos. - Hoje à noite os meus filhos vão ter, realmente, depois de alguns anos... e ele começou a abrir o pacote...

Nós tínhamos estado prestando tanta atenção no Ernani, enquanto ele falava, que nem havíamos notado a reação do Mauro. Mas agora, todos percebemos a sua aflição quando ele saltou e tentou pegar o pacote das mãos do Ernani. Mas era tarde demais. Ernani já tinha aberto e pacote e estava, agora, examinando cada pedaço de espinha, cada porção de pele e de vísceras, levantando cada rabo de peixe.

Era para ter sido tão engraçado, mas ninguém riu. Todos nós ficamos olhando para baixo. E a pior parte foi quando Ernani, tentando sorrir, falou a mesma coisa que todos nós havíamos dito anteriormente:
- Obrigado!

Em silêncio, um a um, cada um dos colegas pegou o seu pacote e o colocou na frente do Ernani, porque depois de muitos anos nós havíamos, de repente, entendido quem ele era realmente.

Uma semana depois a esposa de Ernani faleceu. Cada um de nós, daquele grupo, passou a ajudar as cinco crianças. Graças ao grande espírito de luta que elas possuíam, todas progrediram muito: Carlinhos, o mais novo, tornou-se um importante médico. Fernanda, Paula e Luisa montaram o seu próprio e bem-sucedido negócio: elas produzem e vendem doces e salgados para padarias e supermercados. O mais velho, Ernani Júnior, formou-se em Engenharia; hoje, é o Diretor Geral da mesma empresa em que eu, Ernani e os nossos colegas trabalhávamos.

Mauro, hoje aposentado, continua fazendo brincadeiras; entretanto, são de um tipo muito diferente: organizou nove grupos de voluntários que distribuem brinquedos para crianças hospitalizadas e as entretêm com jogos, estórias e outros divertimentos.

Às vezes, convivemos por muitos anos com uma pessoa, para só então percebermos que mal a conhecemos. Nunca lhe demos a devida atenção; não demonstramos qualquer interesse pelas coisas dela; ignoramos as suas ansiedades ou os seus problemas. Que possamos manter sempre vivo, em nossas mentes, o ensinamento de Jesus Cristo:
Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. (João 13,34). Assim seja!

Senhor, na profissão que abracei, quero cumprir da melhor maneira o meu dever, sempre disposto a dar de mim tudo o que estiver ao meu alcance, para atender a quem de mim precisar.
Quero viver do meu trabalho, sempre que puder. E fazer dele, não apenas uma fonte de vida, mas principalmente um serviço ao próximo.
Acima de tudo, quero ver no meu semelhante alguém tal e qual eu também sou: semelhante a Vós, Criador e Amigo de todos nós.
Amém

Texto revisado por Cris

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