Jô, uma História de Vida (Parte I)
Atualizado dia 1/26/2007 9:18:38 PM em Autoconhecimentopor Rafaela Magalhães Lopes Souza
Minha história começa em 29 abril de 1955, na pequena cidade de Ipiaú, no interior da Bahia. Meu pai era um grande fazendeiro da região e minha mãe, à época do meu nascimento, era uma jovem que havia se encontrado em um conto de fadas... fora camareira de um hotel onde meu pai se hospedara por poucos dias. Bastou pouco tempo para que os dois ficassem juntos e se apaixonassem... E tudo teria sido fácil para os dois se não fosse o fato dele ser casado e por uma pequena diferença de idade entre os dois: minha mãe tinha 16 anos e meu pai 55; façam as contas...
Minha convivência com o meu pai foi intensa e profunda; bastaram apenas 6 anos da minha vida para que eu aprendesse isso. Ele me chamava de “princesa” e eu me sentia reinando em seu coração. Com a morte de meu pai - de forma natural por doença - mas prematura para mim e meus 3 irmãos, minha família foi decapitada. Meus irmãos, muito pequenos, sentiram a falta de um sentimento que eles nem chegaram a conhecer; eram menores que eu; minha mãe havia perdido o seu “príncipe encantado”: o homem que lhe havia dado uma vida com a qual jamais poderia ter sonhado e o homem que ela havia aprendido a amar.
Meu pai era 3 em 1 para minha mãe. Bem, pelo menos era a compreensão que ela tinha, do alto da sua “maturidade” dos 20 anos. E eu? Bem, para mim a perda foi sofrida, foi dolorosa; mas, a imagem dele iria me perseguir por anos... Quando se perde um pai, principalmente assim, muito cedo, na maioria das vezes apenas se consegue perceber a real importância, “cair a ficha”, quando se cresce. Pelo menos foi assim que aconteceu para mim.
Logo após a morte de meu pai, minha mãe ficou responsável legalmente para assinar por nossos bens, a herança que era nossa por direito. Mas pela ignorância da vida e de algumas específicas pessoas, isto simplesmente nos foi negado; ou melhor, para que não se cometa mais uma injustiça, nos foi dado um pequeno pedaço de terra, como se fosse uma fortuna para minha mãe, que inocentemente aceitou. Mas não relato isto para expressar rancor ou mágoa; a injustiça foi feita pela simples e pura mágoa de quem não tinha suportado a traição do pai, pelo sentimento de apego - natural à maioria de nós - aos valores da sociedade, puritana e cheia de pré-conceitos. Este ato nunca foi motivado por maus sentimentos, apenas por sentimentos confusos em um coração mal compreendido.
Mas isto eu apreendi a superar e não se tornou foco de discussão por anos, até este momento quando eu sento aqui e relato esta minha história para você. Na verdade, hoje sinto como se isto fizesse parte de quem sou hoje. Paro algumas vezes pensando em como seria se eu tivesse sido uma “princesa” por toda a vida e acho que nem eu mesma gostaria do resultado; nem teria conquistado minhas convicções sendo desse jeito.
Minha mãe, apesar da pouca idade, amadureceu do seu jeito peculiar e se esforçou para nos dar a melhor vida que ela poderia oferecer. Trabalhava dia e noite na fazenda “Primavera”, herança de meu pai, e fez aquele chão improdutivo render mais do que muitos fazendeiros conseguiram fazer em uma vida inteira. Ela trabalhava muito e passava o dia todo fora de casa e por isso nossa convivência era um pouco difícil; mas foi essa também uma questão que a vida me forçou a que eu me adaptasse. Passei meu tempo cada vez mais com minhas amigas do colégio e me aproximei de quem me pareceu ser boa companhia; e foi assim que eu fiz as amigas que, mais tarde descobriria, seriam as poucas e melhores que eu teria por toda a vida; Rosário, Yara e Isabel eram minha amigas inseparáveis. Eu passava as tardes, após a escola, na casa de “Rusa” e Yara, irmãs, filhas de D.Ita. D.Ita me deu muito colo durante minha adolescência, na presença-ausente de minha mãe.
E foi assim que cresci. Era independente, solta na vida, livre de muita disciplina e próxima das mazelas: drogas, bebidas, rebeldia, a “juventude transviada”; mas eu nunca me interessei por nada disso. Fui irresponsável por muitas vezes e certamente me arrependo de alguma delas. Mas, apesar de tudo isso eu parecia ter um sensor que me trazia de volta pra casa, sempre que me colocava no caminho errado.
Quando completei 17 anos minha mãe juntou todas as suas economias e comprou, para mim e para meus irmãos, um apartamento em Salvador, a capital, para que terminássemos o estudos na “cidade grande”. Fiz o ensino médio e acabei entrando para a Faculdade Católica de Filosofia, me tornando a única da família a adquirir o nível superior.
Aos 21 anos tinha terminado a faculdade e decidido continuar a morar em Salvador. Eu continuava a sair com o meu “trio” de amigas, Rusa, Yara e Bel. E, em uma noite, que poderia ser como mais “uma” das que nós frequentemente saíamos, minha vida tomou outro rumo que veio escrito em cinco letras: Roque. Ele era um rapaz alto, moreno, um físico quase atlético, se não fosse pela magreza das pernas; mas ainda assim “um pão”, com se dizia na época. Nós nos gostamos muito, mas não logo de início. Pra falar a verdade, definitivamente não foi a primeira impressão dele que me atraiu. Roque era um rapaz bonito, mas era um rapaz, não um homem com o qual eu sonhava. Ele estava apenas com 19 anos e apesar da altura e do corpo que já tinha tomado forma, ainda não tinha o “charme” da maturidade que eu buscava em um companheiro. Nosso amor não cresceu à primeria vista, mas à segunda e certamente funcionou.
Não tinha a mínima idéia da importância que essa relação teria no futuro. Não comecei a namorar Roque pensando que iria me casar com ele, muito menos em ter filhos e que ele seria o único homem com quem eu viveria pelo resto da minha vida... Nesta época eu apenas vivia o momento e deixava a emoção passar.
Este texto é verídico e conta a história da minha mãe, Joazil Carvalho de Magalhães Lopes, falecida em 18 de agosto de 2003. Foi escrito por mim, em memória da sua vida.
Continua...
Texto revisado por Cris
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