Me encontrei quando me perdi
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Autor Celso A. Cavalheiro
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 8/27/2006 1:12:28 PM
O bosque era fechado. Caminhar entre a vegetação densa era um exercício de paciência e muita coragem. Não tinha nenhuma certeza de que aquele caminho me levaria a algum lugar civilizado ou se caminhava cada vez mais para dentro do coração da mata cerrada. Meu corpo ardia, açoitado pelos galhos do mato que roçavam meu tórax, minhas costas e meus braços mal protegidos.
O canto dos pássaros e o farfalhar das folhas ao vento mantinha viva a esperança de que a vida civilizada me esperasse lá adiante. Tudo era tão belo e ao mesmo tempo tão assustador.
Pequenos raios de sol se infiltravam entre os galhos e desenhavam no chão círculos amarelados que pareciam obras de arte para minha visão tão ávida de espaço e gente.
Quando se está perdido no mato fechado e não se consegue ver muito adiante é como se a própria vida nos roubasse o futuro, fazendo-nos tatear como cegos, em busca de uma referência... da própria consciência.
Não muito distante dali a noite caminhava a passos largos em minha direção e com ela o silêncio – inimigo mortal de quem está perdido e tem medo da solidão. Sentia-lhe o cheiro e o coração gelado a me espreitar.
Apressava meu passo, naquele momento, como se estivesse fugindo de alguma coisa e não mais em busca de uma saída. Fugir sem saber para onde ir é como caminhar sem ver o próprio chão. Temos a sensação de que vamos despencar a qualquer momento, num poço infinito, e vamos ficar caindo para sempre.
Exausto, sentei-me e esperei que o futuro e o passado me alcançassem. Queria vê-los lutar por mim. Recostei-me no tronco de uma árvore e esperei como uma criança espera a mãe vir socorrê-la depois de uma queda
O passado chegou primeiro antes que a noite caísse.
“Não há lugar para ir.’ Disse - me ele. ‘O futuro é um tiro no escuro. Você não sabe o que te espera. Para que arriscar? Eu te levo imediatamente de volta sobre teus passos e esta angustia desaparece. Só se pode caminhar com segurança sobre o conhecido. Você precisa saber onde está pisando. Voltemos e eu te mostro que não estás verdadeiramente perdido. É preciso saber viver a rotina. Ela não é de todo má. O que você chama de ´mesmice´ é o preço da segurança, de uma vida sem sobressaltos. Entregue-se a mim e deixe que eu faço os resto.
Meu corpo doía. Minhas feridas sangravam. Aquelas árvores a minha volta não me deixavam ver além de alguns metros para cima e para frente. Pensava no aconchego do meu lar. A fome e a sede me torturavam. Precisava dar ouvidos ao passado e deixar que ele me levasse de volta para casa. Já não tinha mais força para andar.
Foi então que uma luz azul suave se espalhou ao meu redor e abraçou meu corpo como um bálsamo para as minhas feridas. Uma voz suave me disse como numa bela canção.
“O passado já está muito distante. Ficou para traz a muito tempo. Já andastes demais; não vale a pena voltar. A sede e a fome te matariam antes mesmo de chegares em casa. O futuro está sempre mais perto que o passado. Quem andou aprendeu; e não se pode apagar a experiência nem ignorar a sabedoria adquirida ao longo da caminhada só porque não se vê claramente o que nos espera lá adiante. O fato desse mato te impedir de enxergar à distancia não significa que não haja nada logo a frente. Ninguém anda em vão, mesmo quando a caminhada parece dura e sem rumo. Foi enquanto caminhavas que fostes construindo o futuro que sonhavas, e quanto mais caminhares e compreenderes a grandeza dos teus feitos mais belo será o futuro que te espera. O passado é que é a verdadeira ilusão. Enquanto o futuro só depende de tua força e amor, o passado só existe e sobrevive da tua fraqueza. A caminhada só é infrutífera quando andamos em círculos, quando somos escravos do medo, quando chamamos ilusão de realidade.
O sol já estava alto quando acordei. A dor e o cansaço haviam me derrubado em sono profundo. Percebi uma festa de pássaros por toda a parte. O cheiro da manhã invadia meus sentidos e me devolvia um pouco da força perdida. Percebi que o sol era abundante só a alguns metros de mim e corri para lá.
Havia uma clareira enorme e o sol jorrava seus raios cálidos sobre um prado verde em volta de um pequeno lago, que se formara ao pé de um barranco donde um veio d`água jorrava de dentre as pedras e formava uma pequena cachoeira que se espichava lânguida numa sinfonia de dar inveja a Mozart, Bethoven...
Mergulhei naquele lago como se houvesse encontrado o oásis da minha vida. Bebi lentamente daquela água cristalina que jorrava em meu rosto e misturei nela minhas lágrimas, em sinal de agradecimento por tão divina oferta. Descansei ali todas as minhas dores, angustias e medos.
De repente, a poucos metros de mim, ouvi claramente o passado e o futuro se digladiando. Disputavam meus passos como se eu ainda continuasse sem rumo. Mas pela primeira vez na vida, havia descoberto que eu não queria ir a lugar algum. Que aquele momento me bastava. Percebera que o que eu buscara até então não estava no passado, nem no futuro; em lugar algum onde minhas pernas me pudessem levar; o que eu buscara, quase com desespero, estivera bem dentro de mim o tempo inteiro.
Mergulhado naquela imensa fonte de vida e amor eu descobrira que pouco eu precisava para viver e ser feliz. Eu havia redescoberto a capacidade de me encantar comigo mesmo.
Como era maravilhoso estar vivo e poder sonhar, sem ter que ir a lugar algum em busca disso ou daquilo.Vivia aquele momento como se a eternidade toda coubesse nele.
Ao longe o latido de cães e vozes de crianças brincando... . Um som que eu buscara ouvir desesperadamente... agora já não me fazia a menor falta. Compreendera que havia fugido em vão e buscado uma saída daquele mato como se ele pudesse de alguma forma realmente cercear a minha liberdade. Como se o fato de meu corpo estar andando sem rumo definido, horas a fio, pudesse resumir o rumo da minha alma.
Agora eu era livre e não tinha pressa. O cansaço derrubara meu corpo e libertara meu espírito. Eu conhecia todas as saídas e não precisava correr para nenhum lugar. Minha busca me havia levado ao único lugar possível: de volta a mim mesmo.
Um menino se aproximou de mim e disse: “O senhor não é daqui. Está perdido?
“Eu também pensei que estava...’ disse-lhe. ‘mas estava enganado. Agora já sei onde estou. Mas se você quiser me mostrar o caminho da cidade eu te agradeço.”
“É pra lá.’ Disse o menino apontando à distancia. ‘Mas é muito longe. Vamos até lá em minha casa falar com meu pai ele pode lhe ajudar...”
“Vamos.” Disse eu. E os dois caminhamos, sem pressa, até a casa do menino onde todos pareciam muito felizes. Inclusive eu.
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