NO DIA DOS PAIS, UMA REFLEXÃO SOBRE A SIMPLICIDADE
Atualizado dia 09/08/2008 10:27:37 em Autoconhecimentopor Christina Nunes
O menininho vai até ele. Estende os dois bracinhos e o pai, intrigado, se inclina. E se emociona.
O menininho lhe dá um abraço e um beijo de boa noite e, bocejando, volta para o seu quarto e para o aconchego da sua caminha.
Simplicidade! Não é de hoje que me pergunto. Onde foi parar a impagável simplicidade - em tudo? Todavia, principalmente nestas datas, nestas ocasiões nas quais convencionou-se que se comemorar devidamente o Dia dos Pais, Dia das Mães, Páscoa, Natal, e outros... só se reveste de significado digno diante de uma pujança compulsiva de gastos, de alarde, de barulho, durante os quais o que se observa, sobretudo, são pessoas estressadas, apáticas, quando muito condicionadas ao ritual imposto pelas exigências ardilosas outorgadas pelas táticas hábeis do capitalismo com o decorrer das décadas, em substituição à jóia autêntica - e esta sim, o alimento do espírito! - do calor humano, do afeto, da amorosidade que, a meu ver, é tudo, é a viga mestra não dos "Dia disso" ou "Dia daquilo"... mas do que de fato é o cerne de todas estas ocasiões: o amor e a fraternidade entre os seres humanos, entre os entes queridos!?
Lembro-me de que na minha infância, nestas datas, eu tinha por hábito fazer cartões, eu mesma. Gostando desde cedo de desenhar e escrever, tomava de uma folhinha A4, dobrava, e me deleitava: desenhava ali cenas familiares que só nós mesmos, da família, entendíamos e das quais apreciávamos a significação; pintava o desenho, escrevia frases carinhosas dirigidas aos meus pais. Um ou outro certamente comprava uma lembrança que o cartãozinho de próprio punho acompanharia; mas o certo é que entregava-lhes fielmente aquele cartãozinho triunfante, porque lia nos seus olhos: certamente era o que eles mais valorizavam e apreciavam, de conjunto com o meu amor, beijo e abraço carinhosos de filha... que, aliás, distribuía aos montes durante o ano, porque nunca entendi que amor e homenagem aos pais eram restritos a uma data estipulada arbitrariamente, assim como também eles me ofereciam um digno "Dia das Crianças" todos os dias, infalivelmente!
Mas hoje, não. Observo que as escolas, em sua totalidade, e alegando as exigências didático-pedagógicas dos dias de hoje, se esmeram em celebrações retumbantes. Anunciam-nas já no princípio do ano letivo, convocando a todos. Festas com missas, apresentações teatrais e danças das várias classes em homenagem a pais ou mães; gincanas, guloseimas, sorteios, bingos... e, unanimemente, e sempre sob os pretextos do mundo globalizado e sua exigência draconiana de interação frenética entre as pessoas, fizeram crer aos estudantes de todas as idades, com o passar das décadas e das mudanças, que isto é importante, é vital, é indispensável...
Queiram me desculpar se vou aqui contra a maré... Mas resta-me a sensação de que o pai, a mãe, diante de todo este aparato, "se diluem"!... O ser humano, e como sempre, perde em importância perante a mente e o coração da criança ou adolescente para a necessidade imperiosa de se embriagar dançando, representando, comendo, festejando com brilhos e música ruidosa... um simples e belo Dia dos Pais, que talvez, e principalmente, pedisse antes intimidade familiar, carinho, química amorosa; e na privacidade do lar, alegria entre filhos e seus pais!
Mas, e o Pai?!..
O pai está ali, em meio àquele tumulto de centenas de parentes, de outros pais, professores, equipes pedagógicas, diretores, fotógrafos... no mais das vezes emocionados, é fato! Mas que se note, e deixemos de hipocrisia: ainda e sempre, emocionados com seu (s) filho (s), única e exclusivamente! Aqueles filhos que ali estão adiante, menores ou maiores, dançando, representando, cantando com os olhares ora perdidos ora assustados, ora indiferentes, em muitas das vezes - observo já não é de hoje! - com expressão ausente, olhando em torno... fazendo bem o "trabalho de casa".
Então acaba a dança e o barulho, após a espera de muitas outras turmas anteriores à do seu filho que também ensaiaram e fizeram o mesmo. Entrega-se a lembrancinha feita pela própria criança - talvez que o de maior valor em meio a tanto barulho e movimento! - que o pai ou a mãe recebem de suas mãos ainda emocionados, sorridentes. E a criança, já distraída, pergunta o que farão em seguida; irão para casa?! A uma pizzaria?! Ao cinema à tarde?!
Não sei... tenho uma rejeição irrefreável, natural por esta compulsão quase neurótica de se ter que fazer algo a respeito de coisas que pediriam, única e simplesmente, o que de maior valor se reveste: amor e afeto, na intimidade de um lar. Fico me recordando insistentemente do tal "tesouro que a traça não corrói e o tempo não desgasta" - lição de tanta simplicidade, milenar, a respeito do alimento verdadeiro, gerador da autêntica felicidade... alimento do espírito! E, inevitavelmente, considero tudo isso uma idiotice!...
Mas é importante para as crianças, fizeram com que acreditassem nisso... e todo ano lá vamos nós de novo!
Ah! E os - muitos! - que não têm pais ou mães numa data dessas?! Os pais e mães falecidos, ou desertores do lar, e tantas outras situações que naturalmente excluem muitos estudantes destas festanças artificiais de sentimentos, de real sentido?!
- Ah! - alguém há de dizer - Estes não são maioria! Não podemos sacrificar o resto por causa desses! ... argumentará, com a voz inconsciente do egoísmo.
Será que não são maioria?! Nos tempos em que vivemos nos quais, por esta linha mesma de mentalidade, os seres humanos tornaram-se descartáveis?!...
E aí prevalece, ainda e sempre, a legenda da exclusão egoística, do preconceito... a mesma que até os dias de hoje, em pleno século XXI, considera inviável a inclusão de "minorias" como as crianças especiais, as órfãs, as menos favorecidas economicamente...
Não vamos parar de festejar em grande estilo... porque afinal, estes são minoria!...
Sabem... às vezes me vem o pensamento: como Jesus homenagearia seus pais?...
Fica a reflexão...
Texto revisado por: Cris
Avaliação: 5 | Votos: 21
Chris Mohammed (Christina Nunes) é escritora com doze romances espiritualistas publicados. Identificada de longa data com o Sufismo, abraçou o Islam, e hoje escreve em livre criação, sem o que define com humor como as tornozeleiras eletrônicas dos compromissos da carreira de uma escritora profissional. Também é musicista nas horas vagas. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |