O AUTOCONHECIMENTO E O CANDOMBLÉ

O processo de autoconhecimento, a jornada do “Conhece-te a ti mesmo” é uma das maiores aventuras que o ser humano pode empreender. Têm muitos fantasmas, perdas, desilusões, desafetos, monstros que você tem que enfrentar. Mas também é cheia de gratificações, e com um final promissor: a auto valorização, o auto respeito, o amor próprio. Ela exige que você lance mão de várias ferramentas para te ajudar nesse processo. Ferramentas para cavar, desvendar os seus mistérios interiores. É como desbravar um universo. Uma ferramenta que percebo como interessante é o candomblé. Essa religião, de origens milenares, engloba vários conceitos sobre o si mesmo e a existência individualizada. O objetivo final da prática do candomblé é que você cumpra harmoniosamente seu Divino Propósito. Quando você ingressa para ser um iniciado, começam a ser praticados uma série de rituais, onde está havendo a preparação para que o seu inconsciente mais profundo, aquilo que você verdadeiramente é, em essência, se manifeste. É necessário limpezas (ebós de purificação), rezas, as quais mantém sua mente em sintonia com seu próprio centro interno de verdade, seu ponto central, seu Eu verdadeiro (tais como os mantras). Os cânticos e os toques de atabaque favorecem com que você se mantenha cada vez mais focado no seu interior e desligado do mundo exterior. A intenção é que nos desliguemos de nossas máscaras, nos despojemos de nossas roupagens habituais(daí a necessidade de se usar roupas brancas, onde, pela junção de todas as cores, uma nova identidade, mais verdadeira e essencial possa ser reinventada). Isso suscita uma série de emoções e sentimentos novos ou redescobertos, que, em seu próprio corpo, se sacralizam, no momento da “in corporação”(o prefixo "in" vem do latim e significa" posição interna, passagem para um estado"; neste caso, a passagem de uma instância inconsciente para um estado corporificado, onde as suas vivências inconscientes vão sendo lidas, traduzidas, expressas e inscritas no corpo. Ele se torna a própria vivência mítica em manifestação.) . Descobre-se uma nova identidade, mais ligada ao seu sagrado interior, a sua essência, que, na medida em que vão sendo realizados os ritos iniciáticos, vão sendo cada vez mais ancorados no corpo físico. O corpo passa por vários processos na iniciação, tais como, pintura, catulagem- marcações em lugares específicos; raspagem- para se libertar dos padrões antigos. Esse corpo se torna cada vez mais fechado a interferências externas, não permitindo a intromissão do exterior, e conseguindo, assim, ser o autor da sua própria vida. Essa vida agora tem ligação estreita com o mito de seu Orixá. Cada Orixá é uma idéia arquetípica da vivência da humanidade. Ogum está ligado a necessidade de abrir caminhos, ou seja, de progredir, de evoluir, e vem também daí sua ligação com a guerra: é preciso destruir velhos conceitos e padrões e lutar pela manutenção de novos. Oxossi, está ligado a necessidade de se prover alimentos a si mesmo e aos descendentes, desde níveis mais densos aos mais sutis. Se o iniciado for de Oxóssi, por exemplo, ele pertencerá a uma qualidade deste orixá. A qualidade denota um momento de vida, uma particularidade no universo da caça e da alimentação, que sugere cada vez mais a existência individualizada. Nem todos que pertencem ao Orixá Oxossi são da mesma qualidade. Existe uma vivência mítica mais diferenciada e específica ligada à cada qualidade de Orixá. Além disso, no ápice dos ritos iniciáticos o Orixá, solta a voz e emite seu ilá ou ke. Essa é uma marca máxima da individualidade, pois cada Orixá tem ilás diferentes. Se você for de Oxossi, na qualidade chamada Aqueran, e existirem duas pessoas dessa mesma qualidade, cada um terá um ilá diferenciado. Isso denota a criação simbólica de uma identidade única, singular. Na tradução desse ilá, encontra-se o seu traço individual mais marcante; na vivência desse som e na incorporação se encontra a sua expressão inconsciente mais profunda e verdadeira. Pierre Verger em sua definição sobre o candomblé acrescenta: “O Candomblé é para mim muito interessante por ser uma religião de exaltação à personalidade das pessoas. Onde se pode ser verdadeiramente como se é, e não o que a sociedade pretende que o cidadão seja. Para pessoas que têm algo a expressar através do inconsciente, o transe é a possibilidade do inconsciente se mostrar". Esse momento é mágico na jornada do auto conhecimento, marcado pela expressão poética do canto e da dança.