O MANEJO DA INTERPRETAÇÃO DE SONHOS NA PSICANÁLISE - Freud 1911
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Autor Sylvio Alipio Pinto Filho
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 9/24/2006 7:52:59 PM
Ao passar-se da interpretação de sonhos para a clínica, conserva-se o interesse no conteúdo dos sonhos e interpretar-se-á cada sonho relatado pelo paciente tão completamente quanto possível. Mas cedo se observará que se está trabalhando agora sob condições novas e que se tentar levar a cabo essa intenção, entra-se em choque com as tarefas mais imediatas do tratamento. [Na clínica deve-se estar mais interessado em compreender o sonhante que o sonho. O sonho é apenas um dos recursos de que o terapeuta dispõe na sua tentativa de melhor conhecer o sonhante e leva-lo a se conhecer. Na pesquisa pode ser diferente]. Mesmo que um primeiro sonho se mostre adequado para a interpretação, outros sonhos logo aparecerão, tão longos e obscuros, que seu significado completo não poderá ser extraído no limitado período de um dia de trabalho. Se o Analista continuar o trabalho de interpretação durante os dias posteriores, produzir-se-ão, nesse meio tempo, novos sonhos que terão de ser postos de lado, até que ele possa considerar o primeiro sonho como finalmente solucionado. A produção de sonhos é às vezes tão copiosa, e o progresso da compreensão do paciente é tão hesitante, que o analista deve suspeitar se o aparecimento do material, dessa maneira, não pode ser uma manifestação da resistência do paciente, já que o método é incapaz de dominar o que é assim apresentado. Além do mais, nesse tempo o tratamento ter-se-á distanciado bastante do presente e terá perdido o contato com o atual. Além disso, é importante que o analista esteja sempre cônscio da superfície da mente do paciente e saiba que complexos e resistências estão ativos nele na ocasião e que reação consciente a eles lhe orientará o comportamento. Quase nunca é correto sacrificar este objetivo a um interesse na interpretação de sonhos.
Qual, então, deve ser a nossa atitude ao interpretar sonhos? Mais ou menos a seguinte:-
• a interpretação que possa ser realizada em uma sessão deve ser aceita como suficiente. No dia seguinte, a interpretação do sonho não deve ser retomada. [Na sessão seguinte. Lembremo-nos que Freud atendia todos os dias. Por isso fala “no dia seguinte”]. Nenhuma exceção deve ser feita à regra de que a primeira coisa que vem à cabeça do paciente é o que primeiro deve ser tratado;
• se os sonhos se tornam profusos e volumosos, a esperança de decifrá-los completamente deve ser abandonada;
• devemos evitar demonstrar interesse especial nos sonhos ou despertar a idéia de que o trabalho [de análise] se interromperia se o paciente não os apresentasse. Caso contrário, há o perigo de a resistência ser dirigida para a produção de sonhos com a conseqüente cessação deles. A análise sempre encontra material para sua continuação, independentemente de que o paciente apresente ou não sonhos. Pode-se perguntar se não estamos abandonando um material muito valioso, que poderia lançar luz sobre o inconsciente. A resposta é que a perda não é tão grande quanto parece;
• todas as produções oníricas muito elaboradas devem ser encaradas como incapazes de solução completa. Um sonho deste tipo amiúde se baseia em todo o material patogênico do caso em apreço, ainda desconhecido tanto do terapeuta quanto do paciente, sendo equivalente a uma tradução em linguagem onírica de todo o conteúdo da neurose (os sonhos chamados “biográficos” são aqueles que, mesmo quando curtos, são desse tipo). Na tentativa de interpretar tal sonho, todas as resistências são postas em atividade e estabelecem um limite à sua compreensão. A interpretação completa deste sonho só será possível ao término da análise, muitos meses mais tarde. [As análises de Freud duravam, em média, nove meses]. É o mesmo que acontece com a elucidação de um sintoma. É preciso a análise completa para explicá-lo; durante o tratamento apreendemos apenas fragmentos do significado dele. Identicamente, não se pode esperar mais dos sonhos; devemos contentar-nos se a tentativa de interpretação traz à luz um único impulso patogênico de desejo. Assim, não se abandona nada que se pode obter, quando se desiste da idéia de uma interpretação completa de um sonho; tampouco nada se perde se interrompemos a interpretação de um sonho antigo e voltamo-nos para uma outra mais recente;
• Descobrimos que diversas cenas sucessivas de um sonho têm o mesmo conteúdo e aprendemos que diversos sonhos que ocorrem na mesma noite são tentativas de representar um único significado;
• Podemos estar certos de que o impulso de desejo que cria um sonho reaparecerá noutros, enquanto não for compreendido e retirado do domínio do inconsciente. Por isso, a melhor maneira de completar a interpretação de um sonho é abandoná-lo e dedicar a atenção a um novo, que pode conter o mesmo material sob forma mais acessível. Sei que é pedir muito do paciente e do médico que abandonem seus propósitos conscientes e entreguem-se a uma orientação que ainda nos parece acidental. Mas posso garantir que se é recompensado toda vez que se resolve ter fé nesses princípios teóricos e se persuade a não discutir a orientação do inconsciente ao estabelecer elos de ligação.
Advirto, portanto, que a interpretação de sonhos não deve ser perseguida como arte pela arte, mas que seu manejo deve submeter-se às regras técnicas que orientam o tratamento como um todo.
Outra situação é a que surge desde que adquirimos compreensão do simbolismo e não dependemos tanto das associações do paciente. Um intérprete onírico excepcionalmente hábil encontrar-se-á às vezes em posição de poder perscrutar cada um dos sonhos de um paciente, sem exigir que este passe pelo processo de elaborá-los. Um tal analista acha-se livre de conflito entre as exigências da interpretação de sonhos e as do tratamento. Além disso, fica tentado a fazer uso da interpretação de sonhos em toda ocasião, dizendo ao paciente tudo o que detectou em seus sonhos. Assim procedendo, contudo, adota um método de tratamento que se afasta muito do estabelecido. Os principiantes devem ser aconselhados a não tomá-lo por modelo.
Todo analista encontra-se na posição do intérprete que estivemos imaginando, com os primeiros sonhos que os pacientes trazem, antes de terem aprendido algo da técnica de traduzi-los. Estes sonhos iniciais podem ser descritos como não refinados; revelam muito ao ouvinte, tal como os sonhos das chamadas pessoas sadias. Surge então a questão de saber se o analista deve traduzir logo, para o paciente, tudo o que lê neles. Não é este, porém, o lugar para responder a esta questão, pois ela evidentemente faz parte de outra mais ampla: em que estádio do tratamento e com que rapidez deve o analista deixar o paciente conhecer o que jaz oculto em sua mente? Quanto mais o paciente aprende da interpretação de sonhos, mais obscuros eles se tornam. Todo o conhecimento adquirido [pelo paciente] sobre sonhos serve também para colocar em guarda o processo de construção onírica.
O analista mais experiente receberá tais sonhos como confirmações esperadas e reconhece que só são observados sob certas condições do tratamento. A grande maioria dos sonhos antecipa-se à análise de maneira que após subtrair deles tudo que já é sabido e compreendido, resta ainda uma alusão mais ou menos clara a algo que até então estivera oculto.
Sylvio Alipio - 011 - 66847622
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