Por que você foi parar no inferno?
Atualizado dia 01/08/2015 10:56:34 em Autoconhecimentopor Mariana Viktor
É a intenção que move nossos comportamentos – isso é fato.
Também é fato que o mundo tem sido movido por segundas e terceiras intenções - o sujeito faz uma coisa já de olho comprido pra conseguir outra, estratégia comum neste planeta dos negócios, da lei de Gerson.
Mas se a pessoa de fato tem a intenção focada no Bem, então ela não tem segunda nem terceira intenção... ou será que até uma boa intenção pode ser segunda ou terceira sem que percebamos?
Uma explicação sensata e surpreendente (e que exige introdução antes de ir direto ao trecho sobre as boas intenções) está no livro “Nascido para o Bem”, biografia de Desmond Tutu – ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1984, e um dos mais notáveis ativistas do movimento que acabou com o regime do Apartheid na África do Sul. No livro, Tutu diz que o amor de Deus (ou como preferir chamar) nos é dado incondicionalmente. Lógico que ele não se refere a um amor humano, ao tipo de amor que a gente recebe de namorado, marido, nem mesmo de pai e mãe.
E antes que você pergunte “mas que amor incondicional é esse que deixou o mundo virar o que virou?”, tenha certeza que Tutu se refere à ligação direta de cada um com o pulsar do Universo que mantém tudo existindo: inclusive eu e você, assim como o Livre-Arbítrio de cada um (é nessa parte que a coisa complicou. Quanta gente você conhece que busca a conexão divina como primeira intenção, e não para pedir alguma coisa, mesmo que seja algo importante?).
Já dá pra gente imaginar que nada no Universo e em suas leis acontece de forma explícita – ou melhor, nós é que não conseguimos perceber a simplicidade presente nesta complexidade toda da qual também fazemos parte, porque existe muita coisa terrena desviando nossa atenção – e realmente esquecemos que somos almas numa experiência física e não o contrário. E o Grande Mistério é tão grande e tão misterioso que parece inalcançável e então nos perdemos dentro da nossa limitada condição humana a ponto de achar que a vida é apenas todo esse cenário de luta pelo poder que traz a fome, as guerras, a destruição do planeta e a ilusão de que não somos um, por isso “salve-se quem puder!”.
E para conseguir uma ajudinha lá de cima, já que aqui embaixo a situação tá preta, vamos à igreja, ao templo, rezamos, pedimos auxílio celeste, choramos, imploramos e até fazemos promessa e caridade às vezes. Estamos apavorados com toda essa violência, incerteza, egoísmo, e sinceramente não sabemos mais o que fazer. É desesperador. Tá todo mundo pedindo pro planeta parar porque (quase) todo mundo quer descer.
Agora vem a grande sacada que tem a ver com as tais “boas intenções”. Tutu diz que “deve ter algum tipo de pegadinha em algum lugar, e assim nos complicamos e nos embaralhamos no esforço de impressionar a Deus [...]. O demônio escondido atrás do senso de propósito é um medo de não ser bom o suficiente. É um medo de não estar fazendo o suficiente. Esse medo demoníaco de não estar à altura de um ideal esgota a alegria e embota a energia [...] Assim, batalhamos sem fim para ‘sermos bons’ e para ‘fazermos o bem’ no lugar de nos conscientizarmos de que somos bons [...] Em resumo, podemos parar de ‘sermos bons’ e simplesmente viver em nossa bondade. [...] No lugar de ser um pedido para alguma coisa que ainda está por vir (olha a segunda intenção aí), é uma resposta à abundância de dádivas que já nos foram entregues e recebidas [...] Sei que há uma distância ínfima entre ‘estou fazendo isso em resposta ao amor’ e ‘estou fazendo isso para ser amado’. Mas entre esses dois conceitos está a diferença entre a paz jubilosa e o desespero ansioso”.
Tutu falou e disse. Agora é botar a verdadeira primeira intenção em prática: parar de se esforçar pra ser bom, deixar nossa natureza amorosa se expressar de coração apenas pelo prazer de senti-la e compartilhá-la. E assim salvar a si mesmo (ao menos do desespero ansioso) e ao mundo que podemos alcançar. Porque a alegria de fazer o Bem com primeiríssima intenção faz Bem de verdade a quem recebe também.
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