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Sócrates, aprendiz de Xantipa

Atualizado dia 6/9/2016 5:48:27 PM em Autoajuda
por Renato Mayol


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Xantipa, uma jovem de 20 anos com quem o filósofo Sócrates, de 60 anos, casou-se, passou injustamente para a História como uma megera insuportável, ao invés de uma esposa aflita, mãe dedicada, e talvez a pessoa que mais contribuiu para o que Sócrates mais desejava na vida, que era o autoconhecimento.
Considerando que “é no fogo forte que se forja o bom aço”, Sócrates escolheu Xantipa por causa do seu espirito argumentativo e briguento e, com frequência, provocava maldosamente a ira dela para exercitar o próprio espírito e paciência. Assim, quis o Universo que Xantipa fosse o mestre que Sócrates precisava para lhe aparar o mal disfarçado orgulho pelas suas descobertas interiores, pois o mestre da argumentação, apesar de dizer que “o elogio é o abutre da alma”, ufanava-se de sua própria sabedoria em comparação a dos seus adversários, a quem desafiava e humilhava publicamente com ironia e sarcasmo.  E, ao ridicularizar os outros, era vítima do próprio orgulho. Tentação por ele sempre intensamente sofrida.
Sócrates não se preocupava com as riquezas e nem com o corpo. Ensinava que o apego às terrenas coisas fúteis leva à verdadeira escravidão, que é a escravidão da alma. Dizia que “o erro básico do homem está na ignorância de sua verdadeira natureza e tal ignorância leva a valores falsos e efêmeros”.  E, com orgulho, vangloriava-se dizendo que: “a felicidade verdadeira consiste em estar isento de toda necessidade, até da necessidade de viver”. 
Vivia na pobreza, costumava caminhar descalço, quase sempre com a mesma túnica imunda, e não tinha o hábito de tomar banho - um modo de vida que certamente desagradava Xantipa, como desagradaria qualquer outra mulher, e que dava oportunidade para as frequentes brigas familiares. Brigas motivadas também por ela não suportar o relacionamento íntimo de Sócrates com Alcibíades, considerado o mais belo jovem de Atenas.
Como Sócrates gostava de passar o dia cercado de jovens a escutá-lo, ela costumava esperar a hora das refeições para infernizá-lo, desfiando seus problemas com a educação dos filhos e suas insatisfações pela falta de dinheiro. Quando, por ocasião da alegria de Sócrates, ele compartilhara a sua intuição de uma única força criadora, ela teria lhe despejado na cabeça um recipiente cheio de imundície.
Sócrates, essa figura controversa que nasceu quase 500 anos antes de Cristo, de pai escultor e de mãe parteira, não deixou nada escrito, e tudo o que sabemos dele nos chegou por meio de algumas fontes subjetivas: o seu discípulo Platão, o seu apaixonado admirador Alcibíades, o seu adversário Aristófanes e o seu amigo Xenofonte. Obviamente, graças a estas e outras fontes unilaterais e discriminatórias, apesar dos fatos falarem por si quanto a quão difícil devia ser conviver com Sócrates, Xantipa foi descrita como briguenta e insuportável, apenas por ser uma mulher de atitudes e personalidade em uma cidade onde as mulheres ocupavam uma posição de inferioridade social em relação aos homens e deviam total subserviência aos seus maridos.
Porém, apesar de Xantipa vexá-lo publicamente e de envenená-lo com suas palavras na hora da comida por ele não corresponder ao papel que lhe cabia como marido e como pai, ela, do seu jeito, o amava. E, do seu jeito, Sócrates também a amava e lhe era grato por ela ser, ao seu modo, quem mais o ajudava em seus esforços no caminho do autoconhecimento e do autodomínio.
Por isso, em um agradecimento jocoso, e talvez emocionado, Sócrates teria dito e aconselhado a seus discípulos: “Na companhia de Xantipa estou aprendendo a adaptar-me ao resto da humanidade. Portanto, seja como for, case-se. Se escolher uma boa mulher, será feliz. Se escolher uma mulher como a minha, será filósofo”. Porém, apesar de ter sido o “conhece-te a ti mesmo” o cerne do pensamento do filósofo e apesar de Sócrates acreditar que os seres humanos existiam por algum motivo, ele nunca chegou a descobrir qual era exatamente esse motivo.




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