SOLIDÃO II
Autor Alexandre Rodrigues Vieira
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 8/20/2006 11:00:28 AM
Fernando Pessoa escreveu um dos mais belos poemas-depoimento sobre a solidão. Aqui vão alguns trechos dessa obra genial que vale a pena ser lida na íntegra:
[GRANDES SÃO OS DESERTOS...]
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes –
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu...
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida...
Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas...
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes e tudo é deserto...
Grandes são os desertos e tudo é deserto,
Salvo erro, naturalmente.
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!
Mais vale arrumar a mala.
Fim.
Fernando Pessoa (O eu profundo e os outros eus - 1930).
Muito óbvio seria se Pessoa intitulasse esse poema como “Solidão”. Preferiu “Grandes são os desertos...”. Desertos onde nada mais presente existe do que a ausência. E de que outro deserto nos fala o autor se não da solidão? Fala-nos da sua incomensurável solidão, sem, contudo, uma vez sequer, mencionar-lhe o nome.
Fala-nos dos disfarces das pessoas desertas que tentam esconder o que é fato: somos todos sós nessa vida imensa. Desertas porque voltadas para si mesmas deixaram de valorizar o outro, tornando-se enormes espaços sem espaço para mais ninguém. E como pode haver vida sem relação? Assim, conclui o autor não valer a pena viver. De que vale viver deserto?
Porém, parece o mesmo autor saber de uma saída (não uma solução): seguir viagem. Mais que isso: mesmo com a tendência a querer ficar parado, sentado ou dormindo, como a maioria dos homens, adiando suas mudanças, suas arrumações internas, sabe que só elas nos tiram do deserto.
É preciso arrumar a mala de ser, jogar fora o que não mais nos cabe para abrir espaços de arrumação. É preciso colocar-se em viagem constante, em transformação constante, em desacomodação constante. É preciso “viajar” para se ter um destino. É preciso viver, cuidando-se da arrumação dessa existência, para se buscar um sentido, o sentido de viver. E quando se esquece disso, não se vive, dorme-se. Quando tudo é deserto não há vida, morre-se.
Mas, é tão difícil viver arrumando-se todo o tempo. É tão solitário viajar para dentro de si mesmo. Mais fácil, muitos diriam, é unir-se a outros desertos, e ser como todos eles.
Para o nosso heróico autor “mais vale arrumar a mala” e seguir viagem.
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