Swami Galvão de Ogum, o Místico
Atualizado dia 5/28/2007 10:05:17 AM em Autoconhecimentopor Alex Possato
Embora eu não estivesse completamente certo sobre isso, parti rumo ao centro de São Paulo em busca da solução: ir até a rua 25 de Março e suas imediações, onde se encontram centenas de produtos chineses de preços incríveis e origem duvidosa. Lá, com certeza, eu acharia um despertador ideal!
Vasculhando uma daquelas galerias enormes, incrustradas em edifícios improvisados, passei por inúmeras lojinhas onde o idioma oficial era o mandarim. Perguntei-me se seria necessário um tradutor para encontrar o despertador. Subi escadas, desci escadas, fugindo sempre dos elevadores apertados, daqueles modelos bem antigos, que se abrem com uma grade de puxar, apinhados de olhos puxados e sacolas de compras.
Pairava no ar um cheiro de sanduíche de carne louca, produtos eletrônicos e gente. O calor era quase insuportável e por isso funcionava um interessante sistema de refrigeração nos corredores, que eu nunca havia visto antes: canos suspensos entre fios elétricos expostos, espirravam vapores de água sobre o público. Muito louco! Senti-me no parque do Ibirapuera!
Lá pelas tantas, um pouco cansado de andar, reparei numa minúscula cortina vermelha, ao lado de uma vitrine também de tons avermelhados. Ela destoava de tudo o mais! Enquanto a galeria era entulhada de produtos eletrônicos, luminárias baratas, tênis falsificados, cd’s e outras tralhas, naquela vitrine havia elementos bem diferentes: uma estátua do Preto Velho um pouco maltratada. Uma imagem de Iemanjá. Do alto, pendiam algumas luminárias de tecido, estilo indiano, com cores fortes e vibrantes. Pirâmide de cristal, terços, guias de umbanda, jogos de tarô, uma infinidade de artigos místicos.
A minha curiosidade diante daquele encontro inusitado era tanta que entrei no recinto. Um forte cheiro de incenso cobria qualquer odor que viesse de fora. Identifiquei também o característico aroma das folhas de arruda. “Hum, é proteção!”, pensei. Olhei para uma imagem de uma mandala, ao lado de um baguá. Quase caí quando percebi na penumbra uma silhueta de alguém sentado! Era um homem com uma barba enorme, um turbante alaranjado, que não sei definir se árabe ou indiano. No pescoço, pendiam guias e colares de sementes escuras. Sua tez era parda, próxima ao café com leite.
- Você é o proprietário? perguntei.
Nenhum som veio de sua boca.
- Fala minha língua? Do you speak english? Sprech deutch? Habla español? Nihongo wakarimaská?
Nada. Nem um piscar. Comecei a pensar que ele era doido e seria melhor sair correndo de lá. Nisto, com um gesto que durou quase meia hora, ele levantou a mão esquerda, e apontando com sua enorme unha de cinco centímetros de comprimento do dedo indicador, mostrou-me um cartaz, onde se lia: “consulta: trinta reais”. Fiquei me perguntando se aquele vigarista ia me extorquir trinta reais para responder se era o proprietário, mas uma estranha força me fez tirar o dinheiro da carteira e sentar-se na frente do místico. O dinheiro desapareceu bem mais rápido que o primeiro gesto que ele havia feito.
- E aí, cara?
Esta não era a primeira frase que eu gostaria de ouvir da boca de um guru, um místico. Mas não dei muito tempo e disparei:
- Você cobra de todo mundo que lhe pergunta alguma coisa? falei, com rancor.
- Não existe nada de graça na vida, cara! Sujeitinhos como você se acham os caras mais amorosos e espiritualistas do mundo, mas não conseguem dar um centavo para algo ou alguém que não conhecem! E se dão, ficam esperando o retorno imediato! Eu dei, agora Deus me dá de volta! Você não está dando dinheiro, você está dando desconfiança... o que acha que vai voltar?
Fiquei calado. Minha vontade era falar um palavrão para aquele homem esquisito, que veio já me colocando na parede. Quem era ele para me chamar de “sujeitinho”? Eu odeio quando sou cobrado injustamente, na verdade odeio quando me cobram qualquer coisa!
- Você se sente devedor! Quase gritou o cara do turbante. Se não se sentisse devedor perceberia que eu não quis ofender você! Se liga! Tá na hora de melhorar esta relação sua com o universo! Dê e aceite! Da mesma forma que você não sabe dar, também não consegue aceitar numa boa, não é?
Será que ele lê pensamento? Fiquei intrigado como era que ele podia falar quase o que eu estava pensando. Estava um pouco chocado com a cascata de palavras proferidas pelo barbudo. Fitei os profundos olhos negros do guru, respirei fundo, e perguntei:
- Quem é você? O que eu posso aprender com você?
- Ih, cara... se você não sabe o que quer, qualquer porcaria te satisfaz! Leva uma pirâmide, uma estatueta, qualquer coisa daqui... Isso vai te satisfazer. Por pouco tempo. É igual nesta galeria. Fico olhando um monte de fulano que vem só espiar, sai com um monte de sacolas de contrabando, mas nos olhos deles eu vejo o mesmo vazio de quando entraram. Sabe... Já ouviu aquele papo que Jesus salva? Jesus não salva nada! Nem ninguém!
- Como? Está dizendo que é tudo mentira o que dizem de Jesus? indaguei, indignado.
- Se liga! Onde está a fé que move montanhas? Em Jesus ou em você? Quem pode fazer mais e melhor que ele? É você, cara! Jesus veio ao mundo para dizer que ele era um cara como você! Sem tirar nem por! Mas sabe por que as pessoas que buscam Jesus nunca estão realizadas?
- Não...
- É simples. Simplesinho. Porque eles buscam... Eles procuram Jesus igual aos caras que compram radinho de pilha e muamba aqui na galeria.
- ?!?
- Você veio buscar um despertador, não é?
- Como você sabe?
- Não interessa! Somente me responda: como despertar alguém que está acordado?
- Não dá...
- É isso. Não dá. Não existe ninguém dormindo. Não existe como despertar. Não existe o que procurar. A vida é isso aí que está aí fora. O paraíso é isso aí. Não vê quem não quer. E é uma maravilha, bicho! Mesmo quem não vê, está acordado. Todo mundo acordado! Inventaram que existe mais coisa que o paraíso que é a vida, mais curtição em outros mundos, planos, céu, sei lá... O que mais pode haver que a maravilha deste universo?
- Como eu posso ver esta maravilha? Perguntei, curioso, percebendo que o que ele falara tinha uma lógica forte.
- Cara, fique com o que eu te disse agora. Volta depois. Se quiser. Você quer entender com a cabeça. Dá um tempo... A cabeça não é pra essas coisas, não... Relax.
Levantei-me um pouco tonto e fui saindo lentamente. Pelo canto dos olhos pude ver o cara acendendo um longo cigarro. Fiquei desconfiado que era a canabis. Mas deixa pra lá... Não sei onde eu estava com a cabeça, mas eu ia ter que voltar neste lugar e reencontrar este místico maluco...
Acompanhe os outros encontros que tive com o Swami
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Terapeuta sistêmico e trainer de cursos de formação em constelação familiar sistêmica E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |