UM TALO DE CAPIM
Autor Claudette Grazziotin
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 10/4/2004 3:26:10 PM
Mário Quintana dispensa elogios, qualquer palavra é pequena para contemplá-lo. Ele é o grande poeta das pequenas coisas simples, por isso Poeta Maior. Um modo oriental, sábio de olhar e descrever as coisas com palavras limpas, rimas delicadas e exatas, nada em excesso ou em falta, simples e perfeito como a natureza é. Os fundamentos da arte oriental se libertam, se expressam na poesia de Mário. Quintana como Van Gogh com suas iluminadas pinceladas, viveu intensamente esta afinidade entre poesia e natureza. Como disse Van Gogh em suas cartas a Théo, sobre a arte oriental: "Ao estudarmos a arte japonesa, veremos então um homem incontestavelmente sábio, filósofo e inteligente, que passa seu tempo como? Estudando a distância da terra à lua? Não. Estudando a política de Bismarck? Não. Apenas estudando um talo de capim.
Mas este talo de capim leva-o a desenhar todas as plantas, a seguir as estações, os grandes aspectos das paisagens, enfim os animais e depois a figura humana. Assim ele passa a sua vida e, a vida é muito curta para fazer tudo isso."
Van Gogh continua, na sua introspectiva escrita, a tentar fazer chegar ao coração do seu irmão com palavras despojadas, suas solitárias e profundas reflexões; reflexões de quem sente e reconhece com reverência a sacralidade da beleza da natureza, com suas lições de humildade e simplicidade. Ele prossegue escrevendo: "Ora, não é quase uma religião o que nos ensinam estes japoneses tão simples que vivem na natureza como se eles próprios fossem flores?"
Nesse olhar, sentir e vivenciar, Van Gogh e Quintana se unem e convidam a sentirmos e experimentarmos a essência desta simplicidade. Sua arte nos exorta a vermos com o coração a importância de nos sabermos unidos nesta fusão com a natureza.
Hoje, ao olhar para o brilho colorido deste dia de primavera que explodiu diante de mim, luminoso e belo como rebenta um broto de dentro de uma baga intumescida, túrgida, minha alma voou por um misterioso encantamento, ao encontro da extasiante pintura poética de Quintana e do arco-íris colorido de poesia brilhante de Van Gogh para aprender com eles que, conhecer e admirar as coisas simples, banais, cotidianas, é um dever. "Mais importante que desejar ensiná-las aos outros", como escreveu Van Gogh, "mesmo que possam andar juntas".
Então, trouxe aqui para este cantinho como uma oferenda para todos os corações amorosos que ainda se encantam com um dia de chuva, com um gato, uma pedra ,um dia de primavera ou um simples talo de capim, a poesia encantada de Mário Quintana e minha homenagem poética para estes dois espíritos divinais que iluminam minha alma e inspiram minha arte.
Com amor, Claudette
Canção da Primavera
Mário Quintana
(Para Érico Veríssimo)
Primavera cruza o rio
Cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.
Catavento enloqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.
Dancemos todos, dancemos,
Amadas, Mortos, Amigos,
Dancemos todos até
Não mais saber-se o motivo...
Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!
Simultaneidade
Mário Quintana
- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!
- Você é louco?
- Não, sou poeta.
CALCUTÁ
claudette grazziotin
Mário Quintana, meu querido,
eu preciso te contar
que em certa rua caminhando,
acabei por tropeçar
em determinada pedra,
que estava solta,
sozinha; foi você mesmo
que disse:- Quem ia nela reparar?
Tropecei na tua pedra,
uma solitária pedra,
numa rua de Calcutá!
Soube que era tal pedra,
soube que era tal rua
porque também nunca fui lá.
ILUSTRAÇÃO:Van Goghs Landscape Near Auvers
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