UMA LIÇÃO A APRENDER



Autor Deborah Valente B. Douglas
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 3/29/2006 6:08:09 PM
"Léo era um sujeito grandão, um tanto atrapalhado, que vestia sempre roupas remendadas e muito pequenas para o seu tamanho. Diversos colegas divertiam-se muito pregando-lhe peças.
Um dia um colega notou um pequeno rasgão na manga de sua camisa e deu-lhe um puxão, aumentando o rasgado. Outro colega da fábrica deu sua contribuição e outro, e logo havia um pedaço da manga rasgada, pendurado. Léo continuou o seu trabalho e, ao passar muito perto de uma correia em movimento, ficou com o pedaço rasgado preso na correia, tendo o braço puxado para dentro da máquina. Alarmes soaram, interruptores foram acionados e um acidente mais sério foi evitado.
O chefe do setor, entretanto, ciente do que tinha acontecido, chamou o seu pessoal e contou a seguinte estória:
Quando era mais jovem trabalhei em uma pequena fábrica. Foi lá que fiquei conhecendo Miguel. Miguel era um sujeito grande, brincalhão, que gostava de fazer brincadeira com os outros, pregar pequenas peças. Ele era o líder da turma. Havia também o Pedro, um seguidor, que sempre participava das brincadeiras do Miguel. E havia também o Jaques. Ele era um pouco mais velho que o resto do grupo, quieto, inofensivo, à parte. Ele sempre comia o seu lanche sozinho, num canto. Por três anos seguidos, ele vestira sempre a mesma roupa remendada. Nunca participava dos jogos do horário do almoço; parecia indiferente e sempre sentava sozinho debaixo de uma árvore. Jaques era o alvo natural das brincadeiras e piadas do grupo. Ora encontrava um sapo na marmita, ora um rato morto em seu chapéu. E ele sempre aceitava isso com bom humor.
Num fim-de-semana de outono Miguel resolveu ir caçar. Pedro foi com ele, é claro. E eles prometeram para todos que, se caçassem alguma coisa, iriam trazer um pedaço para cada um de nós. Assim, ficamos todos muito animados e ansiosos quando soubemos que tinham retornado e que Miguel havia caçado um antilope grande e gordo. Ficamos sabendo mais que isso, pois Pedro nunca conseguia guardar um segredo apenas para si mesmo, e deixou transpirar que tinham preparado uma boa peça para aplicar no Jaques.
Miguel tinha dividido o antílope em pedaços e feito um pacote com uma boa porção para cada um de nós. E, para uma boa gargalhada, a peça era que ele havia separado as orelhas, o rabo e os cascos num pacote - ia ser muito engraçado quando Jaques desembrulhasse aquele presente.
Miguel distribuiu os pacotes no horário do almoço. Cada um de nós ia abrindo o seu pacote que continha uma bela porção de carne de antílope e dizia obrigado. O maior pacote de todos ele deixou por último. Era para o Jaques. Pedro estava quase explodindo de vontade de rir e Miguel exibia um ar de satisfação. Como sempre, Jaques estava sentado sozinho, no lado mais afastado da grande mesa. Miguel empurrou o pacote para perto dele e todos ficamos na expectativa. Jaques não era o tipo de muitas palavras. Ele falava tão pouco que você nem percebia quando ele estava por perto. Em três anos ele provavelmente não tinha dito nem cem palavras. Por isso, o que aconteceu a seguir nos pegou de surpresa.
Ele pegou o pacote firme nas mãos e levantou devagar, com um grande sorriso no rosto. Foi então que notamos que seus olhos estavam brilhando. Por alguns momentos, o seu pomo de Adão se moveu para cima e para baixo, até ele conseguir controlar sua emoção. "Eu sabia que você não ia se esquecer de mim", disse com a voz embargada. "Eu sabia, você é grandão e gosta de fazer brincadeiras, mas sempre soube que você tem um bom coração." Ele engoliu em seco novamente e continuou falando, dessa vez para todos nós. "Eu sei que não tenho sido muito participativo com vocês, mas nunca foi por má intenção. Sabem, eu tenho nove filhos em casa e uma esposa inválida, presa na cama já fazem quatro anos. E sei que ela nunca mais vai melhorar. Às vezes, quando ela passa mal, eu tenho que ficar a noite inteira acordado, cuidando dela. E a maior parte do meu salário tem sido para os médicos e os remédios. As crianças fazem o que podem para ajudar, mas tem sido difícil colocar comida para todos na mesa. Vocês talvez achem esquisito que eu vá comer o meu almoço sozinho, num canto... Bem, eu acho que tenho ficado um pouco envergonhado, porque na maioria das vezes eu não tenho nada para pôr no meu sanduíche. Ou, como hoje, havia apenas uma batata na minha marmita. Mas eu quero que saiba que essa carne representa, realmente, muito para mim. Provavelmente muito mais do que para qualquer um de vocês, porque hoje à noite os meus filhos...", ele limpou as lágrimas dos olhos com as costas das mãos "... hoje à noite os meus filhos vão ter, realmente..." e ele começou a abrir o pacote...
Nós tínhamos estado prestando tanta atenção no Jaques enquanto ele falava, que nem tínhamos notado a reação do Miguel e do Pedro. Mas agora, todos percebemos quando os dois saltaram e tentaram pegar o pacote das mãos do Jaques. Mas, tarde demais. Jaques já tinha aberto e pacote e estava, agora, examinando cada casco, cada orelha, levantando o rabo do antílope. Deveria ter sido tão engraçado, mas ninguém riu. Ninguém mesmo. E a pior parte foi quando Jaques, tentando sorrir, disse: "Obrigado."
Em silêncio, um a um, cada um dos colegas, pegou o seu pacote e colocou na frente do Jaques, pois eles haviam, de repente, compreendido quão pouco o presente significava para eles... até aquele momento...
Esse foi o ponto onde o chefe de seção parou sua estória e se afastou. Ele não precisou dizer mais nada e foi gratificante notar que cada colega, naquele dia, enquanto almoçava, compartilhou parte da sua comida com o Léo e um deles chegou mesmo a tirar a sua camisa e dá-la de presente para ele."
Autor desconhecido
Talvez esse tipo de lição possa fazer notar que aqueles que são motivo de chacota para muitos, por serem quietos ou se vestirem mal, guardam no peito uma tristeza infinita, sendo impossível participar de brincadeiras. Muitas vezes, aqueles que são diferentes aos olhos da maioria, são os que mais precisam de compreensão e afeto.Isolar-se ou ser diferente é a maneira encontrada por muitos de se defender da vida dura que leva.
Talvez os mais desamparados não sejam aqueles que expõem suas aflições, nem mendigos que mostram sua pobreza, nem loucos que expõem suas anomalias, nem doentes que procuram médicos para se curar. Talvez os mais enfermos sejam aqueles “diferentes”. Para achá-los, basta um olhar de ternura. Já é o bastante para tira-los do casulo escuro e apertado em que estão presos. E esta, talvez, seja a hora da borboleta voar.
Texto revisado por Cris
Avaliação: 5 | Votos: 18




Comecei no Stum em 2001. Escrevia artigos como forma de desabafo, mas vi que a qualidade não estava boa. Estudei bastante e me aperfeçoei na poesia. Hoje tenho dois livros editados, O UM e ATOS REVERSOS, sob o pseudônimo de Alma Collins. Escrever é a sublimação do pensamento posto no papel. Espero que gostem E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |