VAZIO E MARAVILHOSO
Autor Claudette Grazziotin
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 6/14/2005 2:35:10 PM
PARA CHAGDUD TULKU RINPOCHE
Claudette Grazziotin
"Sou uma folha,
por favor, dê-me sua mão.
Quero voar livre
nas asas de todos os ventos!"
A Flauta de Jade - Poesias
Ed. Alcance - Porto Alegre/RS – 1999
VAZIO E MARAVILHOSO
Boletim Zen - outubro 2003 - nº 8 - Órgão de difusão do Grupo Zen hui-neng
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“Ser e não ser originam-se mutuamente. Por isso nunca houve nenhum Sol e contudo o Sol desponta, exato, em cada amanhecer. Quando se olha para uma árvore, nada há , nenhuma entidade, que se possa dizer estar ali. Trata-se apenas de uma visão. Nunca houve nada que se pudesse chamar Lua, nem tampouco lagoa alguma que a pudesse refletir. Mas tão logo a Lua nasça, a água não hesita um instante em mostrar sua brancura refletida.
Assim são os homens. Quando olhamos para nós mesmos, nada há além de uma pura visão. Onde encontramos nosso eu, não há aí ego algum. Exatamente o ego que persistentemente nos angustia é o vazio, nossa natureza original. Perceber isso é ver que nada somos. Olhar para esse nada é olhar para nossa natureza original. Olhar para nossa natureza original é praticar o Zen.
Não há nisso qualquer traço de niilismo. Tal concepção só poderia ser aventada por quem se perdeu nas idéias e nunca obteve nenhuma visão de si próprio. Exatamente porque o ser e o não ser originam-se mutuamente é que o vazio é maravilhoso. Conforme o Hrdaya Sutra, forma é vazio, vazio é forma. Quando se percebe esse nada, tornamos livres e infinitas todas as coisas. Seng-ts’an escreveu: “Uma diferença da espessura de um fio de cabelo e eis separados o céu e a terra!” No Tao Te King temos:
Sem nome, representa a origem do Universo,
Com nome constitui a mãe de todos os seres.
Pelo não ser, atinjamos seu segredo;
pelo ser abordemos sua via de acesso.
Não ser e ser, saindo de um só fundo,
diferenciam-se apenas pelos nomes.
Chama-se Obscuridade a esse fundo.
Obscurecer tal obscuridade
- eis aí a porta de toda maravilha.
Quando pediram a Lieh-tzu que explicasse seu treinamento sobre a direção de Lao Chang ele comentou:
Depois de o ter servido... pelo espaço de três anos, a minha mente não se atrevia a refletir sobre o certo e errado; os meus lábios não se atreviam a falar de lucros e perdas. Então pela primeira vez, o meu mestre concedeu-me um olhar - e isso foi tudo.
Ao fim de cinco anos houvera uma mudança; a minha mente refletia sobre o certo e o errado, e os meus lábios falavam de lucros e perdas. Então, pela primeira vez, afrouxou a severidade de seu semblante e sorriu.
Ao fim de sete anos, houve outra mudança. Deixei que minha mente pensasse o que lhe aprouvesse, mas ela deixou de preocupar-se com o certo e o errado. Deixei que meus lábios pronunciassem o que lhes apetecesse, mas eles deixaram de falar em lucros e perdas. Então, finalmente, meu mestre conduziu-me a um lugar sobre a esteira, a seu lado.
Ao fim de nove anos, a minha mente soltou as rédeas às suas reflexões, a minha boca deu livre passagem a seu discurso. De certo e errado, de lucros e perdas, não tinha eu conhecimento tanto no que a mim se referia como no que dizia respeito aos outros... O interno e o externo tinham-se fundido na unidade. Daí em diante, não havia já distinção entre olho e ouvido, ouvido e nariz, nariz e boca: todos eram o mesmo. A minha mente estava gelada, o meu corpo dissolvido, carne e ossos fundidos numa só substância. Não tinha a menor consciência daquilo sobre que o meu corpo repousava, ou do que havia sob meus pés. Era transportado para um lado e outro, na asa do vento, como palha seca ou folhas caindo de uma árvore. Em verdade, não sabia se o vento me cavalgava ou se era eu que cavalgava o vento.”
Texto revisado por Cris
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