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Vidas fragmentadas

Atualizado dia 3/9/2016 11:56:22 AM em Autoconhecimento
por Flávio Bastos


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"A experiência e comportamento que recebem o rótulo de esquizofrenia é uma estratégia especial que uma pessoa inventa para viver uma situação insuportável". (R.D. Laing)

Ronald D. Laing foi, no decorrer de sua vida, bastante criticado por algumas correntes psiquiátricas, principalmente as mais clássicas. Porém, em nenhum momento as críticas puderam retirar-lhe o mérito de ter abordado a psicose de maneira tão afinca e profunda.
Um dos primeiros conceitos apresentados por Laing no início de seus estudos sobre a psicose é o conceito de Insegurança Ontológica. A Insegurança Ontológica para Laing seria uma experiência irreal ou uma sensação de não estar vivo, o que conduziria o sujeito a uma preocupação central em sua autopreservação (ao invés de uma preocupação com a autogratificação). Foi a partir deste conceito que o autor introduziu o termo "o eu dividido", referindo-se à percepção fragmentada que o sujeito psicótico tem de si. Nessa percepção, o sujeito se questiona quanto à sua existência, à sua essência e à sua identidade.

Analisando alguns sinais e sintomas nosológicos da psique junto aos conceitos introduzidos por Laing, é possível dizer da Insegurança Ontológica como crença mantenedora e alimentadora do embotamento afetivo e da postura esquiva frente aos relacionamentos interpessoais, já que o psicótico vai se "trancando" dentro de si mesmo, deixando de ser "um para o outro" para ser "um para si". A noção de ser desintegrado ou dividido, aproxima-se da noção de divórcio entre um eu falso, ou self falso, e um eu verdadeiro, que não se manifesta; fica guardado somente para o sujeito. Nesse eu (que é dividido) há um que é uma casca e pode ser deteriorado, enquanto há outro intocável, impenetrável, inatingível e inacessível. A partir dessa conceituação, Laing defendeu que não há propriedade para se falar de um psicótico quando não se é um.
Em suma, Ronald D. Laing defendeu a psicose como uma maneira diferente do sujeito existir no mundo, propondo uma análise fenomenologica-existencial dos sintomas ditos irracionais ao invés de uma análise neurofisiológica do quadro psicótico. Nas obras posteriores ao "O Eu Dividido", estudou e discorreu a respeito dos fatores sistêmicos relativos à existência psicótica, como vínculos familiares e aspectos culturais (e por vezes místicos) entrelaçados à temática da loucura.

Abordagem de Caso
Após uma breve introdução ao pensamento e obra do psiquiatra britânico, Ronald D. Laing, passaremos à abordagem de um caso que envolve sentimento de inadaptação e sensação de fragmentação. É o que veremos a seguir.
O jovem paciente queixa-se que a sua infância foi uma "bosta". As motivações para tal afirmação começaram a fazer sentido à medida que ele foi relatando as suas experiências de vida em família, onde a mudança de cidade ocorreu, no mínimo, nove vezes durante a sua infância e início da adolescência.
Sua imagem paterna revela um pai dependente do álcool, completamente ausente e distante afetivamente. Quando tinha três anos de idade, seus pais se separaram e a sua mãe, passado um tempo, foi conviver com outro homem. No entanto, seu padrasto nada acrescentou de positivo no aspecto da afetividade, e a convivência praticamente reproduziu a experiência com a figura paterna, o qual referiu-se ter conhecido apenas "pedaços de meu pai" (que era uma pessoa depressiva).
A sua infância foi solitária, pois as constantes mudanças de endereço e de escola, não permitiam que criasse vínculos de amizade ou de parentesco: "Não tive amigos, brincava sozinho".
Há sete anos, com o diagnóstico de depressão vinculada à bipolaridade, largou faculdade e emprego após experimentar a primeira crise depressiva que exigiu acompanhamento psiquiátrico.
As lembranças da figura materna, que é uma pessoa bipolar, remetem à falta de diálogo, participação e afeto: "O dia que for pai não me espelharei na minha mãe".
Ele não consegue apontar virtudes na mãe e desabafa: "Não consigo conviver com ela. A minha opinião nunca foi considerada pelo fato dela ter sido uma mãe controladora. Quando criança, e até hoje, não compartilho a mesa com ela".
Sentimentos predominantes em relação aos pais: mágoa e abandono.

Comentário
O atual sentimento de inadaptação e a sensação de fragmentação revelam o que ocorreu durante o histórico vital desta pessoa, ou seja, uma infância e adolescência fragmentadas por experiências marcantes que contribuíram para que o eu não se estruturasse de forma saudável, onde a afetividade, que passa pela relação parental e se estende às relações de amizade e de parentesco, praticamente inexistiu.
Portanto, o eu deste indivíduo apresenta fissuras afetivas. Fraturas emocionais que geram um comportamento retraído onde o medo de desafiar a vida alimenta um processo em desenvolvimento: a autossabotagem.
A primeira experiência em estado alterado de consciência, expressou a insegurança que estava contida nos bastidores de seu comportamento, ao mesmo tempo que reproduziu uma percepção de divisão ou fragmentação que introjetou a respeito de si mesmo inserido no contexto existencial de muitas vidas.
Contudo, independente das amarras psicológicas de seu passado, o desafio terapêutico é estimular a ressignificação dessa percepção a partir de uma nova visão da própria potencialidade inserida numa contextualização de totalidade, onde o eu seja devidamente valorizado no palco da existência.



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Conteúdo desenvolvido por: Flávio Bastos   
Flavio Bastos é criador intuitivo da Psicoterapia Interdimensional (PI) e psicanalista clínico. Outros cursos: Terapia Regressiva Evolutiva (TRE), Psicoterapia Reencarnacionista e Terapia de Regressão, Capacitação em Dependência Química, Hipnose e Auto-hipnose, e Dimensão Espiritual na Psicologia e Psicoterapia.
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